Tristana (1970)

Tristana é uma jovem que perde sua mãe e passa a viver com seu aristocrático tutor. Será o início de uma série de reviravoltas entre os dois.

Críticos:

Edeizi Monteiro Metello
Olavo Fernandes
Maryelle Campos

Tristana, uma paixão mórbida (1970, Luis Buñuel) é um filme que retrata a vida de Tristana (Catherine Deneuve) após a morte de sua mãe e sua convivência com seu tutor, Don Lope (Fernando Rey).

           Assim como o nome da personagem principal indica, o longa é triste. Ela já começa com uma perda, a de sua mãe. A narrativa continua trazendo outros tipos de perdas: de liberdade, de amor, de membros, por exemplo, como se Tristana só perdesse, até mesmo quando ganha. No entanto, em nenhum momento isso não é resultado de suas escolhas duvidosas – e ela aparenta ter um sério problema com essas escolhas, o que beira a inocência, mas que não a resume totalmente.

           Não são conhecidas as opções de Tristana caso ela abandone seu tutor, mas ela se recusa a se afastar dele quando este começa a tratá-la como uma amante. O papel confuso de Don Lope, de pai e de marido, perturba Tristana, mas ela escolhe ficar nessa situação a mudar alguma coisa. Pode-se dar alguma ressalva à personagem devido à época na qual a obra se passa, mas isso vai ficando cada vez mais indefensável conforme a narrativa se desenrola.

           É revelado pela fala da própria que Tristana gosta de fazer escolhas, normalmente fazendo-as porque quer, mesmo não existindo a necessidade de comparar dois objetos. É uma fala peculiar, mas que revela algo sobre seu funcionamento, pois por algum motivo ela é obcecada por isso. Assim como outros tipos de obsessão, Tristana é prejudicada por essa vontade, fazendo escolhas que não lhe trazem benefícios, jogando a culpa de ter se prejudicado em fatores externos ou em outras pessoas quando pode.

           Surge um interesse amoroso: Horacio (Franco Nero). Novamente, ela é confrontada com uma escolha: ficar com Horacio e fugir do seu tutor ou evitar de encontrar o artista e permanecer com Don Lope. Mais uma vez, ela faz a pior escolha, que é encontrar o personagem às escondidas e permanecer com Don Lope. A chegada do personagem também ajuda a reforçar a noção de como sua obsessão por escolhas é mais forte que si mesma: ela comenta com Saturna (Lola Gaos) como só conseguiu dizer sim a tudo que o artista a propôs, mesmo na situação em que ela se encontrava, sob a tutoria de Don Lope e o conhecimento de que ele poderia prejudicá-la.

           Tristana não é nenhuma criança para não conhecer as consequências de suas escolhas, mas age como uma quando estas lhe prejudicam. Quando Horacio se aproxima dela na cena em que está tocando piano, ela diz que não gostaria de ter voltado para a casa de Don Lope, confundindo espectador e personagem. Anteriormente, ficou claro que ela voltara por vontade própria, mas na cena ela culpa o artista por ela estar naquela situação. Por isso, ela demonstra ser manipuladora, e sua máscara de inocência vai aos poucos se desfazendo.

Muito mais do que trazer a tristeza a si mesma, ela infecta e atormenta os personagens à sua volta, e a única solução possível é se afastar da jovem, como fez Horacio após a cena mencionada. Don Lope, no entanto, não teve a mesma sorte.

           O tutor é um personagem de moral cinzenta. Crítico do sistema que escraviza trabalhadores e da Igreja Cristã, defensor dos mais fracos e avesso à força policial, o homem é extremamente possessivo, criando uma regra de “amor livre” para Tristana que só se aplica a ele mesmo, se recusando a se casar com ela, mas ameaçando matá-la caso descubra que ela tem um amante. Mesmo representando rigidez e força e gerando certa repulsa devido ao que ele causa à mulher, ele se torna uma vítima da personagem.

Tristana parece estar com a razão quando boicota Don Lope, jogando suas pantufas fora, por exemplo, mas sua verdadeira face vai se revelando ao longo da obra. O pesadelo que tem com a cabeça decepada do tutor deixa de ser um medo recorrente da personagem – o que é capaz de distrair e encorajar o espectador a acreditar em sua inocência – e se torna uma representação gráfica de sua natureza sombria. Isso é visto quando Don Lope tem sua morte acelerada quando ela finge ligar ao médico.

Mais do que sua própria tristeza, todas as piores escolhas que ela fez, até então, foram para perseguir e prejudicar aqueles à sua volta, inclusive o jovem Saturno (Jesús Fernández), que perde o emprego e fica perturbado devido à influência da mulher.

É possível que a aproximação entre Tristana e Saturno se dê devido a características que ambos compartilham. A tristeza os conecta, visto no momento que diz Don Lope em uma cena, “Tristana, Triste Ana”, etiquetando a personagem; e “soturno”, palavra que se aproxima do nome do personagem – aquele que é triste, sombrio. Ambos perderam algo também, ou nunca tiveram: Tristana, sua mãe; Saturno, sua audição. Assim, a falta os conecta, revelando que em seus funcionamentos internos ambos podem apresentar similaridades. Além disso, quando se encontram pela primeira vez, Tristana oferece uma fruta a Saturno, como Hades oferece a Perséfone a romã, no mundo inferior; é o momento que a mulher prende o rapaz a ela. Assim como Perséfone, uma vez experimentada a fruta, o jovem não pode abandoná-la mais. Por isso, é como se, inevitavelmente, aqueles que são semelhantes se atraem mutuamente, e esse laço não pode ser desfeito: por vezes Saturno é visto indo ao encontro de Tristana, como se não pudesse se conter, assim como não consegue evitar de não trabalhar quando é contratado. Assim como Don Lope, Saturno se torna mais uma vítima da personagem.

Neste longa, Luis Buñuel traz novamente a figura da mulher sedutora e perigosa, como em O diário de uma camareira (1964) e A bela da tarde (1967), mas aqui ela é menos ambígua. A frieza da personagem é explícita na cena final, com cortes rápidos que retomam as ações da personagem, como um flashback. Por isso, diferentemente dos finais dos filmes mencionados, que podem trazer certa dúvida quanto à moral daquelas mulheres, defender Tristana é muito mais desafiador, senão impossível.