A saga do judô (1943)

O longa-metragem de Akira Kurosawa acompanha Sugata, um homem que busca aprender arte marcial e retém no caminho lições para a vida.

Críticos:

Edeizi Monteiro Metello
Pablo Paz
Maryelle Campos
Marcia Oliveira

O caminho do herói

 

A saga do judô (1943, Akira Kurosawa) é um filme que acompanha Sugata Sanshiro (Susumu Fujita), que busca aprender judô para se encontrar na vida.

           O longa-metragem começa com um aviso sobre censura, o que pode deixar o espectador pensando sobre o que o filme sem esses cortes poderia ter sido. O que há atualmente do filme é o que foi possível ser restaurado.

           Apesar do protagonista do filme ser Sanshiro, há muitos planos gerais e com profundidade de campo, como na cena de Sayo (Yukiko Todoroki) conversando com Higaki (Ryûnosuke Tsukigata). Isso dá a possibilidade de ver as cenas de um jeito mais observador do que empático, dando a impressão de que o filme está não só contando uma história, mas retratando um momento na linha do tempo do Japão.

           O uso de intertítulos dá a sensação de ser uma história que poderia ser facilmente transformada em uma série, pois é possível desenvolver capítulos inteiros a partir do ponto de vista de múltiplos personagens que a câmera acompanha. No entanto, o filme usa esse recurso para introduzir personagens brevemente ou dar a ideia de suas motivações, como na cena em que Sayo é vista pela primeira vez.

           O filme tem fortes associações histórico-culturais e não pode ser visto com julgamento ocidental, pois o trajeto de Sanshiro em busca de aceitação reflete muito dos valores nipônicos como honra, moral e equilíbrio. Para um ocidental, pode não fazer sentido mergulhar em um lago, apenas com a cabeça para fora, segurando em um pedaço de madeira como forma de autopunição por um dia inteiro. Mas, ao se observar o comportamento do protagonista ao fazê-lo, apenas saindo da água quando vê uma flor de lótus, indica que há muito mais não dito nesse filme sobre cultura e comportamento do que o mostrado.

           Falando sobre o não dito, nesse filme também há pouco uso do diálogo. Os personagens se comunicam fortemente com um olhar, uma reverência, uma mão que se fecha em frustração. Os diálogos que ocorrem são rápidos e diretos, e em grande parte tem alguma relação de poder entre o que fala e o que escuta. Normalmente, o que escuta está em desvantagem e deve ficar em silêncio, apenas ouvindo, como quando Sanshiro é impedido pelo Mestre (Kokuten Kodo) de lutar imediatamente com Higaki, que quis batalhar com um dos alunos de Yano (Denjiro Okochi).

           Devido ao constante combate entre praticantes de jiu-jitsu e praticantes de judô durante a narrativa, a ideia que se dá é que ambas as artes marciais são opostas naturalmente e o combate entre seus praticantes é sempre inevitável. Existe um sentimento de honra entre um praticante de uma arte derrotar o praticante da outra. Há sempre, também, a busca da vingança do derrotado, que também se sente humilhado. O filme ainda mistura espírito esportivo com combates desonestos, pois mesmo Murai tendo sido derrotado por Sanshiro, não o rejeita quando o recebe em casa e o permite ser servido pela própria filha. Ao mesmo tempo, Higaki se sente mortalmente ofendido e busca um combate até a morte em uma colina contra Sanshiro. Ambos são advertidos pelo árbitro sobre o exagero daquele combate. O filme retoma o espírito esportivo ao fazer Higaki sobreviver ao combate e ter, fora de campo, aprendido sua lição.

           “Saga” é uma palavra utilizada para se referir a histórias lendárias, e Sanshiro é um herói literal. Tem as mesmas características dos heróis míticos – força desmedida, impaciência, fama devido aos seus feitos – e acaba por aprender a ser uma pessoa mais equilibrada, pois é capaz de perceber que seus combates constantes não o trarão paz. Sua ascensão, ao final, não se trata de imortalidade, mas um encontro com seu próprio caminho, que ele mesmo decide como fazê-lo, sem dizer dentro do quadro suas motivações. Ele embarca em um trem, no qual Sayo também está, e fica subentendido um possível interesse romântico entre os dois, levemente pincelado durante a narrativa com troca de olhares, algumas conversas e um lenço. Assim como os heróis míticos, Sanshiro foi recompensado com uma bela moça, selando o longa com uma lição que apenas com respeito à Natureza se consegue o equilíbrio e o amor.