A saga do judô II (1945)

Kurosawa traz novamente Sugata, que dessa vez luta contra estrangeiros e inimigos ainda mais desafiadores.

Críticos:

Edeizi Monteiro Metello
Marcia Oliveira

O retorno do herói

 

A saga do judô II (1945, Akira Kurosawa) é um filme que mostra o herói do primeiro filme enfrentando novos oponentes e a si mesmo.

A sequência inicia apresentando um novo inimigo, que são os americanos, com o trabalhador japonês sendo maltratado e humilhado pelo estrangeiro que leva no carro. Apesar de ser um filme que não se passa na época que foi lançado, é compreensível que temas envolvendo a Segunda Guerra Mundial acabariam sendo refletidos, de alguma forma, na produção audiovisual do mundo. Isso justifica a dualidade apresentada no longa, de americanos versus japoneses.

Espera-se, com essa introdução, que a temática do filme seja nessa mesma linha de raciocínio. De alguma forma, o herói terá que enfrentar um inimigo americano e vencer. No entanto, a narrativa resolve tomar outro caminho ao apresentar os irmãos de Higaki (Ryûnosuke Tsukigata), que querem derrotar Sanshiro (Susumu Fujita). Isso está em paralelo com a disputa de americano contra japonês, boxe contra judô, mas que, mais tarde, revela-se não ser uma prioridade da narrativa.

Sanshiro se vê diante de uma nova modalidade de luta, o boxe. Vem dos americanos e seu primeiro encontro com uma partida não lhe é aprazível. Lutam como “cães e galos”, como diz o protagonista. A câmera, na sequência, não deixa de salientar esse detalhe. Planos de risadas de americanos, que também bebem e fumam, são intercalados com close-ups do rosto do lutador derrotado sangrando, agonizando no chão. As palavras do protagonista são capazes de trazer o desgosto que o espectador é levado a sentir. É uma perspectiva interessante, pois a predominância de filmes americanos no ocidente leva o espectador a pensar que eles são os civilizados e os outros, selvagens. Aqui, os papeis estão reversos.

A narrativa toma outro rumo ao apresentar novos adversários a Sanshiro. Eles provam ser desrespeitosos quando não cumprimentam os estudantes da Judokan. É provável que, ao introduzir os irmãos de Higaki, o longa buscou repetir a mesma fórmula para dar familiaridade ao público. No entanto, pela ausência de conexão entre os adversários do herói – a única coisa que tem em comum é o fato de que buscam derrotar a mesma pessoa, mas as motivações do lutador de boxe não são conhecidas, pois nem falas ele tem – é possível, como espectador, sentir uma estranheza em relação à direção que a narrativa toma.

Os novos adversários ganham destaque ao derrotar os estudantes da Judokan. Eles são mais perigosos que Higaki, adversário que Sanshiro derrotou antes, principalmente Genzaburo Higaki (Akitake Kôno), que tem uma doença desconhecida que não é explicada. Com isso, o filme reforça que os novos adversários do herói são tão viciosos em sua prática que um deles foi à loucura, supostamente. O personagem representa, também, aquilo que o protagonista mais teme em se tornar: o combatente tão hostil que se tornou um perigo para a sociedade.

Se Sanshiro se deixar levar pela vontade de derrotar os adversários sempre, ele pode acabar como Genzaburo, que não está muito longe de matar algum personagem. Dessa forma, a prática do judô é elevada pela narrativa, o que já havia sido feito na sequência que mostra Sanshiro vendo uma partida de boxe pela primeira vez, e aqui sendo reforçada ao colocar o protagonista em um estado reflexivo sobre sua própria prática. O judô não deveria servir como uma arma contra os outros, mas como uma defesa, pois se há combate, as palavras já se extinguiram – o que também é representado no filme com o pouco uso de diálogo.

Agressão pela agressão e a pessoa chega a um estado cada vez mais perturbado, que nunca se acentua ou acaba, como é representado pelo personagem Genzaburo. É possível que, nesse ponto, o antagonista tenha uma semelhança com os americanos, que também possuem uma luta que é agressão pela agressão. A narrativa pode dar a entender, então, que os americanos também são acometidos por alguma perturbação mental.

A cantiga feita para Sanshiro no primeiro filme retorna para importuná-lo e intensificar seu conflito, apenas nos momentos em que ele está se questionando e não há crianças dentro do quadro. Ele tem convicção de que não é capaz de ser equilibrado, e insiste em abandonar seu caminho ao quebrar as regras do dojo. No entanto, o que o faz ser um herói não é sua habilidade de seguir ou não as regras, derrotar ou não estrangeiros ou baderneiros. Sua culpa o fez quebrar as regras, mas em seu coração ele não as quebrou, como disse o sacerdote (Kokuten Kôdô). No silêncio da meditação de ambos os personagens na cena, o protagonista é capaz de perceber isso. As flores de lótus, que também apareceram no primeiro filme como um momento de discernimento para o herói, retornam ao fundo, na parede, sendo iluminadas pela luz de fora. O que existe de honroso e genuíno no protagonista vem de fora, e é muito maior que ele. É brilhante e imparável, como a luz, e belo, como o desenho da flor de lótus.

O herói é capaz de derrotar os adversários na batalha, ao mesmo tempo que os ensina, com seu sorriso inocente em seu sono tranquilo, que eles já eram derrotados quando o conheceram. Mesmo com inimigos que trazem um perigo real de morte, Sanshiro passa algum tempo com eles em uma cabana, reforçando o aspecto de honra e respeito aos adversários na prática do judô. É um lugar que os antagonistas percebem, em suas lágrimas de arrependimento, estarem longe de estar. Com isso, eles resgatam um pouco de honra que todo guerreiro deveria ter, como Sanshiro, o herói que retorna para defender o judô.