Quarto longa-metragem de Akira Kurosawa, inicialmente banido pelas forças de ocupação americanas e somente liberado anos mais tarde.
Os homens que pisaram na cauda do tigre (Tora no o fumu otokotachi, 1945), é o quarto filme de Akira Kurosawa. Durante seu lançamento original em 1945 o filme foi censurado pelo Comandante Supremo das Forças Aliadas (CSFA) e lançado somente após o Tratado de São Francisco entrar em vigor, em 1952. Neste preâmbulo de Os sete samurais (1954), que é reforçado principalmente pela sua estrutura solta e abrupta, o cineasta experimenta com o gênero musical. O filme é baseado na peça de gênero kabuki Kanjincho que, consequentemente, é baseada na peça noh Ataka. Além da trilha sonora contar com canções que descreve os acontecimentos narrativos, o filme também contém algumas danças. Kurosawa também se relaciona com a tradição dos contos orais.
Há muito tempo, em um Império muito, muito distante, a família Heike brigou com a família Minamoto. O vencedor? Os irmãos Shogun Yoritomo e Yoshitsune Minamoto. Infelizmente, Minamoto invés de aproveitar a sua vitória em paz, foi maliciosamente acusado pela Iago de seu irmão chamado Kagetoki Kajiwara. Sem alternativas, assim como Dom João VI, ele decide fugir com seis confiáveis samurais fantasiados de monge para as novas terras, controladas por Hidehira Fujiwara. Para alcançar a sua salvação, eles devem passar por um pedágio comandado pelo personagem de Susumu Fujita (A saga do judô), Togashi. Essas informações estão contidas nas cartelas iniciais do filme. Tal prática narrativa descritiva não acontecia desde A mais bela (1944) e é a partir disso que este filme se inicia, seguindo a aventura desses personagens. Os sete falsos monges são auxiliados por um fofoqueiro bagageiro Ken’ichi Enomoto. Este por sua vez é a única fonte de humor dentro do filme, de uma comédia que no Brasil chamamos de teatro de revista, ele atua até de forma similar a Dercy Gonçalves em suas exageradas caretas e movimentos corporais, com direito até a alguns gritos. A problemática do personagem é que ele é um humorista solo, os outros personagens principais não fazem nada mais que rirem, o que diminui a performance do ator e o transforma em uma versão humana de Jar Jar Binks.
O clímax do filme acontece no pedágio controlado pelo inimigo. Os seis monges e dois bagageiros devem esconder a sua verdadeira identidade e motivações e convencer Togashi a deixá-los passar para a salvação. Em uma sequência de mais de trinta minutos, na qual, diferente de Hitchcock, o mestre do suspense, ou de Eisenstein (há tensão maior que o fuzilamento dos marinheiros em O encouraçado Potemkin?), nenhum suspense é criado. Primeiro pois, para tal é necessário estabelecer os conflitos e as consequências da situação. Segundo que é preciso criar uma catarse entre o público e os personagens em perigo, ora o clímax do filme tem maior duração que a apresentação dos personagens. Por último, Kurosawa tenta criar um alívio cômico exacerbado através de Enomoto que gradualmente se torna mais irritante e dissolve qualquer tensão criada.
A este ponto, a expectativa gerada pela fama de Kurosawa causa estranhamento. Sua criatividade visual é em certos momentos, bastantes pontuais, expressada elegantemente. A sua identidade como autor, ainda parece perdida, em A saga da judô (1943) o cineasta parecia inspirado por Ozu, neste filme ele parece dialogar com filmes de aventura hollywoodianos, preocupado com a linearidade e naturalidade, a um estilo John Ford; um diretor reconta o mito da conquista do Oeste, enquanto o outro se preocupa com a fabricação do mito em si. Vejamos, por exemplo, o final deste filme a qual seja passível a interpretação de que o filme que acompanhamos não passou de um sonho, de uma ilusão inconsciente do personagem de Enomoto. Tal crise identitária não pode estar desprendida dos fatores históricos imposto a Kurosawa i.e Segunda Guerra Mundial e a ocupação do Japão pelos aliados. Respostas ainda virão.