Não lamento minha juventude (1946)

Este drama de Kurosawa acompanha a jovem Yukie (Setsuko Hara) em seus dilemas da vida universitária no Japão antes, durante e depois da Segunda Guerra Mundial.

Críticos:

Edeizi Monteiro Metello
Marcia Oliveira

A guerra, e o que restou de uma japonesa



Não lamento minha juventude (1946, Akira Kurosawa) é um filme que acompanha a jovem Yukie (Setsuko Hara) em seus dilemas da vida universitária no Japão antes, durante e depois da Segunda Guerra Mundial.


Comparando-se este filme com os anteriores do mesmo diretor – A saga do judô (1943), A mais bela (1944), A saga do judô II (1945) e Os homens que pisaram na cauda do tigre (1945) – este é o com a maior duração: uma hora e cinquenta minutos. Alguns dos filmes mencionados anteriormente foram encomendas, e houve menções de censura em relação a eles, então fica o questionamento sobre suas durações e mensagens originais. Além disso, alguns deles deixam muito implícito, subentendido ou nebuloso, o que leva a se pensar, em comparação a este, que não foi uma questão estética, mas algo que estava além do diretor.


Posto isto, vê-se que não é mais uma questão cultural o fato de personagens falarem pouco e se comunicarem por expressões corporais nos filmes anteriores, apesar de haver essa marca em alguns momentos de Não lamento minha juventude, como quando Yukie toca o piano e bruscamente para, se levantando sem dizer uma palavra. Aqui, os personagens têm muito mais voz, um fato possivelmente possibilitado pela mais nova liberdade do diretor de falar sobre a guerra, pois nesse período ela já havia acontecido e o Japão havia sido derrotado.


Em uma guerra há muito mais perdas do que a própria derrota, e Kurosawa explora essa ideia através da interação de três personagens centrais: Yukie, Noge (Susumu Fujita) e Itokawa (Akitake Kono).


Yukie é a personagem principal do filme e está sempre roubando a cena com suas reações impetuosas. É uma surpresa ver uma personagem tão dinâmica e com tanto destaque, considerando os filmes do diretor até então, com seus personagens principais heroicos, mas comedidos. Por isso, é possível que a personagem represente muito mais do que uma pessoa em uma narrativa, e ela seja a expressão máxima do conceito da juventude idealista e impulsiva.


Em sua indecisão de seguir com Noge e levar uma vida mais movimentada, mas imprevisível, ou com Itokawa e ter uma vida mais monótona, mas segura, Yukie representa os conflitos que normalmente ocorrem com os jovens de sua idade e suas decisões de carreira, que são atemporais. Adiciona-se a isto o contexto de uma nação vendo a ascensão do fascismo em um contexto pré-guerra, e Yukie e seus pretendentes se veem ainda mais pressionados a tomarem decisões que podem custar suas vidas.


A perda de Yukie é sua vida romântica e carreira. Em um outro contexto, provavelmente teria mais tempo de explorar sua indecisão em relação aos rapazes, ou de pensar sobre seu futuro emprego. Ela não só precisou agir rápido em relação a seus sentimentos, como também teve que aceitar a morte de seu recente marido. Em pouco tempo, experimentou o mais alto e mais baixo de uma relação amorosa.


A perda de Noge é sua própria vida em defesa de seus ideais. No Japão fascista, não há espaço para ativismo de esquerda, e a morte do personagem – principalmente pelo fato de ter sido na prisão, reprimido pelo Estado – é um símbolo máximo disso. O personagem também deixou o luto para aqueles que o estimavam e sabiam do risco que o jovem estava correndo, o que também é simbólico do arrependimento do Japão de não ter evitado a guerra quando ela dava sinais de querer começar.


A perda de Itokawa é de assistir ao desenrolar dos fatos de forma complacente. Ele defendia que Noge estava tomando decisões erradas, sendo que só estava se baseando no seu próprio ponto de vista. Itokawa não é ignorante, e por isso ele representa uma população que continuou a trabalhar e permitiu ao Japão continuar sua marcha em direção à guerra, pois o importante era emprego, possivelmente casar-se e ter filhos, como fez o personagem.


É possível observar as reflexões que o diretor trouxe através desses três personagens, mesmo com o destaque dado a Yukie, por ser a personagem principal. As marcas dos outros dois personagens estão nas decisões dela, mesmo quando eles não estão em cena. Noge revelou à sua esposa, ainda em vida, que buscava viver sem arrependimentos, e o comportamento oposto de Itokawa levou Yukie a refletir sobre suas decisões. Conforme ela vai levando sua própria vida, fica cada vez mais nítido sua preferência a um dos rapazes e, eventualmente, um estilo de vida. Yukie, que pode representar uma população indecisa, hesitante e até pouco crente no conflito que se iniciava, assume controle de sua vida, ainda que no presente isso signifique sofrimento. Para Yukie, a longo prazo, é inútil viver passivamente, vendo pessoas próximas abandonando suas vidas por conta de um Estado opressor, e para a população do Japão no pós-guerra, através de Kurosawa, o sentimento é o mesmo.