Pablo Borges Paz faz uma análise do novo filme de Paul Thomas Anderson, apontando paralelos entre a geração da Nova Hollywood e a dos contemporâneos do diretor.
Após enveredar para trejeitos hitchcokianos em Trama fantasma (2017), Paul Thomas Anderson retoma a sua conexão a Nova Hollywood anteriormente encapsulados nas figuras de Martin Scorsese (Boogie nights/Os bons companheiros); Robert Altman (Vício inerente/O perigoso adeus, Magnólia/Shorts cuts); Francis Ford Coppola (Embriagados de amor/O fundo do coração). Dessa vez em Licorice pizza (2021), PTA mira em um George Lucas de Loucuras de verão (1973). Ambos compartilham em sua iconografia a nostalgia, o formato anamórfico, a forte presença de carros e do rock. Entretanto, enquanto Lucas remonta a sua adolescência no início da década de 1960 em sua terra natal Modesto, Califórnia; PTA retorna aos anos 1970 (Vício inerente e Boogie nights) e ao lar oficial de seus filmes: Vale de São Fernando. Esse retorno a caminhos percorridos, preocupante a princípio, pois apesar deste ser somente seu nono longa-metragem, PTA já passa dos 50 anos e Tarantino seria o primeiro a admitir que diretores não envelhecem bem e com o passar dos anos a qualidade de suas obras tendem a decair (Scorsese é prova viva). Licorice é um filme “pequeno” na era dos blockbusters (a qual tornou-se sinônimo de filme de super-herói).
Licorice pizza é uma comédia de amadurecimento (coming of age) e se encaixaria em um subgênero chamado hangout (curtição), termo cunhado por Tarantino. A essência desses filmes surge não de seu conflito ou trama, mas de sua capacidade de nos distrair delas, por meio de sua atmosfera e para que isso seja possível é necessário três fatores: personagem, música e tempo. Esses filmes são sobre personagens, não como Taxi driver – motorista de táxi (1976), mas sim como Jackie Brown (1997). Os personagens não são guiados por desejos, conflitos ou tensões e sim pela sua própria existência. Esses personagens precisam, a cada vez que assistimos a determinado longa, tornar-se mais nossos amigos. Precisamos a cada visualização descobrir uma nova coisa sobre eles, seja em seu jeito de ser, de falar, de se vestir, de dançar etc. Para que esse laço de amizade seja materializado é necessário tempo, daí o fato desses filmes serem longos, o mínimo é duas horas (Rio bravo, o percursor do subgênero, tem 2 horas e 21 minutos). Mas, mais importante seu ritmo deve ser sinuoso, opaco, você pode até se perguntar “o que está acontecendo e pr’onde esse filme ‘tá indo?” Porém, por alguma razão você se encontra hipnotizado pelo certo mistério da coisa toda. O último fator desse subgênero é determinante no papel criador dessa hipnose: a música. Mas, não como trilha original e sim canções, vejamos por exemplo Jovens loucos e rebeldes (dirigido pelo rei do filme curtição Richard Linklater) e Pulp fiction – tempo de violência. Esta não é a primeira experimentação de PTA com o filme hangout em Vício inerente (2014) Anderson aglutinou Phillip Marlowe (dos romances de Raymond Chandler) e Dude (de O grande Lebowski) – talvez por esta razão o filme seja mal compreendido até hoje. Porém, por se tratar de uma adaptação do romance de Thomas Pynchon, alocaremos o ônus deste estilo de estrutura a fidelidade a obra original do escritor em detrimento à respondibilidade solita do diretor.
Em Licorice pizza, PTA opta como premissa uma “historiazinha de amor”, se vende como simples e formulaica (amor à primeira vista e tudo mais). A estrutura em forma de relato, que simulam uma coluna social dá suporte a esse tom lúdico e sem pretensões a “algo mais profundo” (sabe se lá Deus o que isso signifique); seja nas historietas de Jon Peters (Bradley Cooper) ou William Holden (interpretado por Sean Penn e no longa chamado de Jack Holden); seja na inspiração provida pelo produtor cinematográfico Gary Goetzman para a própria existência deste filme. Na realidade, o filme enterra em seu subtexto o exato oposto e está é uma última característica do filme de curtição, a despretensão em tratar assuntos dos mais variado com uma leveza brisada. Visto que, quando a guarda está abaixada é quando é possível se infligir mais dano. Essa modéstia destoa diretamente com o momento que vivemos em que filmes, seja de qual for a nacionalidade e gênero, aparentam competir para encontrar novos meios pedantismo e seriedade.
O ponto central das comédias de amadurecimento é… bom o amadurecimento (pedimos a mais singelas desculpas pela redundância, caro leitor). Em Hollywood isso usualmente quer dizer que o(s) personagem(ns) deve sair do seu estado inicial de comportamento negativo para aprender e encontrar o crescimento da vida adulto e se comportar positivamente. Para o espectador, isso significa que tudo aquilo que nos fez gostar e nos importar com tais personagens é jogado pela janela em nome do moralismo.
A aposta de PTA é na infantilidade de seus protagonistas Alana Kane (Alana Haim) e Gary Valentine (Cooper Hoffman) que disputam ao longo de todo o filme o troféu criancice. Em vista, do fato dele ter 15 anos e ela 25, ela sai campeã. Alana encarna (com maestria) o tipo de personagem que fez a carreira de atores como Adam Sandler e Andy Samberg: o adulto-criança. Ela ainda não sabe qual caminho tomar com sua vida, mora com seus pais, tem ressentimento de sua irmã mais velha por ela ser bem ajustada, tem um temperamento explosivo (assim como Adam Sandler em Embriagados de amor). Alana não sabe qual é sua identidade, por isso tenta se encaixar num molde pré-definido do que é ser mulher e não encontra um papel que a satisfaça. Ela tenta ser a acompanhante responsável e adulta de Gary; a jovem bem ajustada que leva seu namorado para conhecer sua família; a mulher independente de negócios; se torna a garota bêbada e boba com Gary; se torna a menina burra e em apuros com Jack Holden; tenta se tornar politicamente engajada e se torna desiludida com a realpolitik. O mesmo vale para Gary, confiante e manipulador, ele contudo não passa de um picareta carismático – características da maioria dos personagens masculinos de PTA. Sua identidade gira em torno de ser um ator e sua carreira por outro lado não vai nada bem, portanto, ele tenta se tornar um homem de negócios e falha. Essa frustração, confusão e medo talvez tenha papel central para eles estejam sempre correndo, de mãos dadas ao longo do filme. Ao fim, ambos retornaram a quem eles se sentem mais confortáveis ao lado, para que eles possam agir como eles são: crianças. Ao estilo Larry David “não há lição, nem abraço”, muito menos amadurecimento.
O título parece também se referir a essa infantilidade da juventude. Além de ser uma loja, Licorice pizza é a pizza de alcaçuz, o salgado e o açucarado juntos, um par romântico, uma escolha arriscada em detrimento da segura. Assim como o relacionamento de Alana e Gary, o fim do filme não é definitivo, nós assistimos por mais de duas horas os altos e baixos da relação do par e aquele namoro pode durar algumas semanas, alguns meses ou muitos anos… Nunca saberemos, o importante é aquela imagem congelada na memória, da juventude feliz, correndo, adrenalina e “eu te amo”.
Fontes:
ORTHWEIN, Jake. A brief history of the ‘hangout’ film. Disponível em: <https://filmschoolrejects.com/history-of-the-hangout-film-5bff7f27d658/>. Acessado em 06 de março de 2022.
SHARF, Zack. Quentin Tarantino contemplates retirement: “Most directors have horrible last movies”. Disponível em: <https://www.indiewire.com/2021/06/quentin-tarantino-retirement-directors-horrible-last-movies-1234642019/>. Acessado em 06 de março de 2022.
COLBURN, Randall. ‘No hugging, no learning’: 20 years in Seinfeld’s mantra still looms large. Disponível em: <https://www.theguardian.com/tv-and-radio/2018/may/10/no-hugging-no-learning-20-years-on-seinfelds-mantra-still-looms-large>. Acessado em 07 de março de 2022.