Lírios d'água (2007)

Meninas exploram a juventude e a sexualidade nesse filme de estreia da premiada diretora francesa Céline Sciamma.

Críticos:

Lucas Aaron
Júlia Bárbara
Lucas Arruda
Ryan Carmo
Henrique Souza Camargos

O longa de Céline Sciamma, ao mesmo tempo que singelo e direto, também é complexo como forma fílmica. Lírios d'água (2007) tem em seus personagens sua principal riqueza, a sutileza em que são construídos é o maior trunfo do filme. Entender cada nuance dos personagens que o compõe é essencial, uma vez que o longa é inteiramente composto disso.


A história gira em torno de quatro personagens principais, e, mesmo que seja claro que Marie (Pauline Acquart) é a protagonista, é interessante pensar o ponto de vista de cada um desses que compõem a obra. Marie é uma garota que entra no time de nado sincronizado com a ajuda de Floriane (Adéle Haenel) por quem é apaixonada. A amizade entre as duas é desenvolvida ao longo da trama enquanto Marie se divide entre Floriane e Anne (Louise Bacheré) sua velha amiga. Já Floriane é paquerada por François (Warren Jacquin), por quem Anne é apaixonada.


Pode se pensar que cada um dos personagens possui um objetivo a ser alcançado até o fim da trama. Marie busca contar o que sente por Floriane, ao mesmo tempo que sente ciúmes da relação dela com François, relação essa que é quase que completamente baseada no que seria o objetivo de François - transar com Floriane. Já Anne procura ser beijada ao mesmo tempo que tenta lidar com o próprio corpo. Enquanto Floriane, que talvez seja a personagem mais intrigante do filme, tem como objetivo compreender seu lugar em meio a isso tudo.


Todos alcançam o que seriam seus objetivos, mas completamente da forma diferente daquilo que esperavam, Marie não é correspondida por Floriane da forma que imaginava, Anne acaba transando antes de ser beijada, e quando ela beija não é um beijo dos mais comuns. E François transa com Anne ao invés de Floriane. Já esta última muito provavelmente entendeu que seu lugar é exatamente onde começara e que não seria François ou Marie que fariam parte disso.


É exatamente a personagem de Floriane que adere grande complexidade ao longa. É ela quem “engana” os outros personagens e ao espectador simultaneamente. Quando pensamos que a compreendemos, mais camadas são atribuídas a ela. Um forte exemplo disso é uma cena específica em que Floriane e Marie estão numa boate. É quando se aparenta que a relação das duas terá um impulso, mas logo Floriane se aproxima de um homem mais velho. Essa construção de personagem é muito rica e acrescenta muito ao longa o tornando intrigante e nem um pouco previsível.


Agora, cabe ao espectador atribuir alguma mensagem ao longa, cada um desses personagens são apresentados de uma forma ampla e sutil, nada é explícito, exceto talvez esses tais “objetivos” que podem ser atribuídos a cada um deles. Fica totalmente para o espectador entender o que são as descobertas que Marie, Anne e Floriane fazem sobre a sua sexualidade e o que elas significam para essas personagens, como também o comprimento ou não desses “objetivos”. Muito provavelmente François é o menos elaborado dos sujeitos que compõe a trama, mas isso não é necessariamente uma falta, uma vez que fosse feita a escolha de desenvolver muito sobre ele o foco se afastaria das garotas e abriria uma vertente para discussão de outros temas no longa o que não aderia a questão principal, a questão feminina.


Outro ponto que pode ser pensado é o fato de a figura paterna/materna ser totalmente escassa no longa. Os pais nunca estão presentes e quando são mencionados é para dizer que estão viajando e sempre sem nenhuma grande expressão ou sentimento de falta. Talvez, os pais sejam realmente isso, mero espectros no tangente à sexualidade, principalmente no que diz respeito à homossexualidade, mas essa análise como já dito fica para o espectador.


Celiné dirige a obra com um olhar que as vezes observa, as vezes atribui subjetividade, mas nunca cria abordagens determinantes ou até mesmo previsíveis pra esses personagens. Os diálogos também são sutis. Lírios d’água comunica pelas imagens, os olhares dos atores, o espaço, como na cena em que Marie acompanha debaixo da água o treino de Floriane. Nela, o nado sincronizado é sincronizado apenas na superfície. Debaixo da água é tudo uma bagunça - talvez uma metáfora para o comportamento de Floriane? A sexualidade das garotas? Não se sabe. O diálogo traz o básico, o que eleva a posição não determinante que Céline exprime em seus personagens. O longa diz pouco ao mesmo tempo que pode dizer muito.