Tomboy (2011)

Segundo longa-metragem da diretora francesa Céline Sciamma, Tomboy conta a história de uma menina que se faz passar por garoto entre as crianças da vizinhança.

Críticos:

Lucas Aaron
Lucas Arruda

Tomboy, dirigido por Céline Sciamma, é uma jornada sobre a autodescoberta na infância e também sobre como os primeiros anos da vida podem ser muito duros. O longa nos apresenta Laurie (Zoé Héran), uma menina que acabou de mudar de endereço juntamente de sua família. A trama se desenvolverá seguindo Laurie e sua não conformação com o gênero em que nasceu enquanto se adapta na nova vizinhança.


O filme começa em uma cena em que Laurie viaja de carro com o pai, com destino ao novo endereço da família. Um desavisado pode pensar que Laurie é mesmo um garoto, uma vez que somente em cenas posteriores o espectador saberá que o garoto é uma menina e esse é justamente o ponto principal do filme. Laurie se apresenta para as crianças do bairro como Michael e nesse interim Michael se formará como personagem.


Michael conhece Lisa (Jeanne Disson), garota que mora em um apartamento vizinho. Os dois logo vão brincar com as outras crianças. Vale frisar que Laurie apresenta uma leve hesitação ao dizer seu nome para Lisa e, quando diz, se apresenta como Michael. A partir daí, é como se houvesse dois personagens. O comportamento de Michael juntamente das crianças, um menino, é ligeiramente diferente do comportamento de Laurie, uma menina, junto de seus pais e a irmã mais nova.


Por outro lado, os pais, que são totalmente carinhosos e presentes. Não veem, não entendem ou talvez tenham até medo do que Laurie esteja enfrentando. Mesmo que não digam explicitamente que a menina se comporta como menino, a mãe, principalmente, faz questão de elogiar quando ela faz coisas consideradas “de menina”, como passar maquiagem com Lisa, coisa que Michael fez e não gostou muito, mas o fez. O pai, muito próximo de Laurie nota que a garota está triste e inquieta, no momento logo depois que Michael faz xixi nas calças. Mas atribui isso à mudança e diz que logo tudo estará bem como também não se esforça muito pra entender o que a filha está passando.


Laurie consegue manter sua identidade como Michael para as outras crianças por um tempo considerável. É interessante a forma como o filme constrói o entendimento de Laurie, uma criança, diante daquilo que está passando de maneira sútil e gradual, aos poucos Laurie entende do que é preciso para ser Michael. A menina toma coragem e se prepara para tirar a camiseta enquanto joga futebol, olha o corpo no espelho, transforma a parte de baixo de seu biquini em uma sunga até o momento em que prepara uma massinha de modelar para dar volume à sunga. Lisa também beija Michael o que significa muito para o menino e é crucial para o clímax do filme.


Clímax esse que se dá devido a relação de Laurie com sua irmã mais nova, Jeanne (Malonn Lévana). Esta descobre que Laurie estava se apresentando como Michael em um momento em que Lisa vai à casa deles procurando por Michael. Jeanne ameaça contar tudo, porém Laurie a convence de não o fazer com a condição dela também ir brincar com Michael e as outras crianças. De início tudo ocorre bem até que numa briga, onde Michael defende Jeanne que foi empurrada, a mãe do outro garoto procura a mãe das meninas para tomar providências então Laurie é descoberta pela mãe.


É anteriormente à briga, quando tudo parece bem, que Jeanne protagoniza ao brincar com outra criança um dos diálogos mais bonitos do longa onde ela diz como é bom ter um irmão mais velho que a defende e protege como Michael. É na inocência da menina de cinco anos que o longa expressa a aceitação que possa se esperar de terceiros sobre não se encaixar no próprio corpo. É como se a menina compreendesse, importasse, mas não se preocupasse com terceiros, esses então representados pelas outras crianças.


As outras crianças no filme podem ser analisadas como a recepção que muitos, de uma forma geral, tem para o diferente. A crueldade delas no final ao mesmo tempo machuca e julga. A curiosidade das crianças é como um atestado que todos deveriam carregar do que são, homem ou mulher, menino ou menina. Voltando ao clímax, a mãe, aparentemente voraz em reverter a situação e explicar para todos que Michael não existe, acaba por ser uma figura compreensiva, apesar de um tanto raivosa e forçar Laurie a pôr um vestido, ela pensa no futuro, indaga Laurie sobre como isso fica daqui a um ano? E quando voltar a escola?


O final do longa é bonito e carrega um potencial renovador, Lisa, após descobrir que Michael “não existe”, se vira para Laurie e pergunta qual seu nome, como se estivessem se conhecendo pela primeira vez. É interessante pensar que a personagem de Lisa representa o aprendizado no filme. Ela mesmo que aversa e obviamente sentindo-se enganada por Michael tenta compreender e agora conhecer quem está diante dela.


Céline Sciamma dirige Tomboy com seu jeito sútil e tranquilo, tudo é feito com leveza, as cenas são fluidas e a qualidade do longa se dá pela riqueza do roteiro e da atuação do elenco. Vale dizer que Céline não busca moldar o espectador para o filme e muito menos construir determinantes para seus personagens. Um forte exemplo disso é o fato de que há sempre uma curiosidade de saber como a história continua após o final.