Não! Não olhe! (2022)

Não, Não Olhe!, novo thriller do diretor americano Jordan Peele e um dos mais aguardados lançamentos do ano é analisado por seis discentes do Pequi Crítica.

Críticos:

Júlia Bárbara
Ryan Carmo
Pablo Paz
Lucas Arruda

“O que são milagres ruins?”



“E lançarei sobre ti, abominável imundície, e farei de ti vil, e te colocarei como espetáculo"


Os moradores de um pequeno rancho no interior da Califórnia passam a experienciar acontecimentos estranhos após a misteriosa morte de seu pai. O que poderia facilmente ser o enredo de um episódio de The Twilight Zone, seja a versão de Rod Sterling ou a atual, é na verdade a sinopse do novo longa de Jordan Peele, Nope (2022). Após consolidar-se na indústria cinematográfica com seus filmes anteriores, Corra (2017) e Nós (2019), Peele retorna com mais uma magnífica obra, misturando sci-fi e terror em eletrizantes 130 minutos.


Assim como em Nós (2019), com uma passagem bíblica do livro de Jeremias, Nope (2022), faz menção ao livro de Naum, ainda nos segundos iniciais do longa, com um trecho que encapsula toda a dimensão da obra. Deus está agindo naquela pequena região, seja positiva ou negativamente, e não há como ninguém se esquivar.


Como uma punição divina, ou, como o jovem OJ diz, um milagre ruim, as tragédias que acometem os Haywood vêm todas do céu, como se lançadas diretamente pelo Senhor, a fim de fazer aqueles que residem ali pagarem pelos seus atos, sem direito de redenção.


E considerando aquele grupo tão distinto de pessoas, qual poderia ser o pecado que os une, passível de fazê-los passar por tamanha provação? Ora, a ânsia e busca incessante pelo interminável espetáculo.


Emerald, irmã de OJ, não parece interessada no ramo familiar e se utiliza disso para divulgar seus trabalhos paralelos, voltados para a mídia. Em uma cena específica, ao discorrer sobre o ramo dos Haywood, ela comete a gafe de confundir o grau de parentesco que possui com o famoso jóquei na “Placa 626” de Eadweard Muybridge, não porque ela não se importe, mas porque sua fala já estava toda memorizada, depois de passar anos ouvindo seu pai a reproduzir ininterruptamente. Como que num ecrã, ela está a reexibir o que visualizava durante toda a sua vida, já eternizado em sua mente.


Jupe Parker, vizinho dos irmãos Haywood, é a personificação da ideia de show. Ator desde a infância, vivenciou uma cena muito traumática em um set de filmagens, quando seu companheiro de tela, um chimpanzé chamado Gordy, atacou violentamente seus colegas de trabalho. Já adulto, Parker passou a comercializar sua angústia e cobrar estranhos para ouvirem seus relatos e verem sua exposição de objetos que comprovam a agressão. Ele revive essa tragédia voluntariamente todos os dias, e a estende para terceiros também.


Outra figura que se une ao grupo e passa a cumprir penitência é o renomado diretor Antlers Holst, que, a priori, não demonstra curiosidade na história de OJ e Em, porém, quando toma conhecimento do interesse jornalístico em confirmar a história, assume para si a responsabilidade e os louros de ser a primeira pessoa a registrar tudo. Movido pelo ego, Holst não se preocupa com as consequências de suas ações, ainda que elas viessem a prejudicar os outros ou a si próprio, se isso significasse conquistar o que procura.


Já OJ, irmão de Em, é o único que parece manter-se distante dessa busca desenfreada pelo holofote. Ele vive recluso com o pai, parece rejeitar o uso de tecnologias e carece de habilidades sociais. Dedica-se somente aos animais com que trabalha, sentindo-se mais confortável com esses do que com pessoas.


Mais do que capturar o que os persegue, OJ preocupa-se em manter um ambiente confortável para os cavalos, como se já soubesse que não há uma salvação para si. Independente do que ele havia feito para merecer aquilo, suas súplicas não seriam ouvidas. Como nas escrituras sagradas, ele deveria pagar, ainda que fosse como acréscimo pelos erros alheios.


“Por isso, assim diz o Senhor: “Trarei sobre eles uma desgraça da qual não poderão escapar. Ainda que venham a clamar a mim, eu não os ouvirei”. O trecho de Jeremias, exposto em Us (2019), dialoga de maneira coesa com a narrativa de Nope (2022), onde o monstro age como uma extensão divina. Era chegada a hora do juízo final para aquele grupo de pessoas e Deus não iria os ouvir mais. Incorporada na figura mística e celestial de Jean Jackets, a intervenção veio derradeira, como um dilúvio, a engolir aqueles que encontrar.


O espetáculo fora lançado como vil tentação, uma desgraça, e tal qual outros males bíblicos, o homem encontrou-se impossibilitado de fugir ou escapar.