Pequena mamãe (2021)

Nesse belíssimo filme de Céline Sciamma, Nelly acaba de perder sua avó e está ajudando seus pais a limpar a casa de infância de sua mãe. Três discentes analisam a obra.

Críticos:

Júlia Bárbara
Lucas Aaron
Lucas Arruda




Após Retrato de uma mulher em chamas (2019), Céline Sciamma retorna aos moldes de seus trabalhos iniciais com um longa intimista e quiçá até mesmo “pequeno”, porém não menos emocionante. Pequena mamãe (2021) segue a jovem Nelly que, após a perda de sua avó materna, viaja com seus pais até a casa onde sua mãe passou sua infância. Lá ela tem a oportunidade de inteirar-se um pouco mais quanto ao que outrora fora um período privado na vida de sua mãe, bem como conhecer um pouco mais de si ao encontrar-se com uma menina de sua faixa etária naquele ambiente que, de início, parecera tão inóspito.


Conforme o filme avança, o espectador descobre, juntamente à protagonista Nelly, que aquela segunda criança, na verdade, é sua mãe e a casa onde elas passam horas brincando é, também, a mesma residência em que ela está com seus pais. O que poderia então ser só mais uma obra sobre viagem no tempo, transforma-se em um belíssimo conto sobre luto, laços sanguíneos e amadurecimento, visto que Sciamma parece não se importar em responder às dúvidas frequentes de um sci-fi. Perguntas como de que modo aquelas crianças se encontraram ou o porquê, não são de relevância para a narrativa, vale somente saber que elas estão ali, naquele momento, juntas.


Ambas estão vivenciando momentos similares, experienciando, pelo que parece ser a primeira vez para as duas, a dor da perda e o luto após a morte de suas respectivas avós. E enquanto na linha temporal referente a atualidade Nelly parece carecer de carinho materno, pois sua própria mãe se vê presa em um emaranhado de sentimentos, a versão infantil de sua progenitora a estende a mão, e lhe oferece o afeto que esta precisa. Elas se completam em suas particularidades, mais do que como mãe e filha, tornando-se amigas e confidentes. Céline constrói de maneira doce e gentil uma história na qual não há uma hierarquização familiar e é, talvez aí, que reside a beleza em um longa tão simples. Marion não cai no cliché de enxergar sua filha Nelly como uma extensão de si, muito pelo contrário. Ela a enxerga como semelhante, a relação que elas estabelecem é igualitária, não há uma figura que se sobressaia à outra. Quando conversam sobre a vida, ainda que de maneira ingênua, devido a sua tenra idade, Nelly e Marion partilham das mesmas opiniões e visões quanto ao mundo e suas realidades. A filha, que cruza o tempo levando consigo suas mágoas, fala com compreensão com sua mãe, mais interessada em acolher suas dores, do que em como estas viriam a se manifestar anos depois, em sua criação.


E mais do que através de diálogos, a atmosfera sentimental e melancólica de Pequena mamãe se constrói através do ambiente narrativo, que se passa somente em um único local, sendo este a casa de campo das crianças. As memórias e vivências ali eternizadas se desenrolam e se convergem para o espectador em cada cena, seja nos quartos, que acolhem simultaneamente Nelly, Marion, e os adultos presentes, como na cozinha, onde as jovens passam um de seus últimos momentos juntas, preparando receitas de maneira despretensiosa, mas ainda com muito afeto.


O campo que as rodeiam também guarda recordações, seja na casinha construída por Marion em suas tardes sozinhas anterior a chegada de Nelly, seja na busca de Nelly pela vida de sua mãe antes de seu nascimento, tudo ali carrega consigo uma aura nostálgica muito forte, que transforma este filme talvez em um dos mais emocionantes da diretora.