O menino e o mundo (2013)

Três alunos analisam este filme brasileiro de animação destacando desde características do traço até críticas a políticas governamentais alinhadas ao fascismo.

Críticos:

Pablo Paz
Diego Cavalcante
Antonio Celso

O Menino e o mundo: A complexidade dos traços simples


Estética

O primeiro aspecto chamativo do filme é seu desenho em si, em uma indústria que tenta cada vez mais fazer com que suas animações sejam realistas, perdendo-se uma oportunidade de utilizar o visual único desta linguagem e as oportunidades narrativas que acompanham. Ultimamente as animações são bombardeadas por lançamentos similares entre si, de modo geral a indústria sofre com o monopólio das produções de empresas como a Disney. Com isso elas acabam perdendo sua singularidade, tanto visualmente quanto narrativamente. Já que narrativamente os filmes seguem fórmulas estruturais em seu roteiro e utilizam arquétipos de personagens, para que se possa dialogar com espectadores literalmente do mundo todo, pois como um produto do imperialismo americano é preciso que ele viaje por todo o globo, desde de países sul-americanos como o Brasil, países europeus e agradar a queridinha do mercado, a China., com isso as estórias devem manter um certo grau de universalidade. De uma certa maneira “menino e o mundo” faz isso com suas abordagens temáticas que variam desde de problemas matrimoniais, desemprego, migração forçada, maturidade, desigualdade social, propaganda, automação etc. É possível perceber esta proposta a partir do próprio título do longa, um menino qualquer e O MUNDO, não seu mundo, mas O MUNDO.

Recentemente podemos citar os Oscars de 2018 na categoria de melhor a animação, a qual o filme Com amor, Vincent (Dorota Kobiela e Hugh Welchman,2017) concorria com uma premissa visualmente surpreendente: cada frame é uma pintura a óleo, mas o monopólio da Disney se manteve e mais um filme da Pixar ganhou o prêmio. Aparentemente a tão procurada “originalidade” está presente nas séries animadas como Rick and Morty, Bojack Horseman, Irmão do Jorel e Archer sendo possível citar outras, mas estas se destacam por adotarem uma linguagem autoral e narrativamente inserir tramas complexas tanto em suas alegorias quanto estruturalmente.

O menino e o mundo vai na contramão desta tendência, utilizando-se de traços simples, mais íntimos, mais colorido, em um certo momento do filme é utilizado montagem de revistas e também de imagens de arquivos(de filmagens reais).É a partir desta simplicidade de traço, em que uma linha simples pode se transformar, em uma das cenas, de maneira fluida do asfalto ao mar. O mar figura recorrente no sertão indo do clássico de Glauber Rocha Deus e o Diabo na Terra do Sol até A história da Eternidade. A esperança resiste, o otimismo também o sertão ira virar mar, assim como o mar ira se tornar sertão, há tempos melhores a frente, há resistência e em tempos como estes é preciso ser ouvida.

Além do fato de tecnicamente não possuir diálogos, já que os diálogos existentes não são compreensíveis (por estarem em reverso). A partir desses fatores o filme demonstra seu foco na complexidade de emoções e temas. As cores que tomam papel de grande importância ao longo do filme, deixando que as imagens falem por si, fazendo com que a ausência de diálogos seja superada pelo espectador. As cores variam desde do branco, preto, cinza, azul, laranja, amarelo, elas conseguem fazer com que audiência interprete os conflitos mostrados ao longo da animação a partir das cores. Seja por exemplo o conflito físico entre as duas águias(fênix?), uma a qual aparenta similar a utilizada durante o 3° Reich contra uma águia visualmente carnavalesca. Na superfície o dualismo é obvio o bem contra o mal, certo versus errado, disputas moralmente recorrentes, mas para além da superfície há uma discussão atemporal, se diz que a história é cíclica, há eventos no passado que voltam a acontecer no presente, tal tipo de pensamento advoga em favor do determinismo, mas talvez seja isso que o autor esteja tentando expressar. Ideologias fascistas(águia do 3° Reich) que nunca morrem, apenas se escondem entre as sombras ate seu momento de ressurgimento.





Amarcord, fascismo e o mundo

O filme consegue tambem manter relação com atualidades “deste” mundo, a relação com o fascismo e aquecimento global por exemplo. A presença autoritária do governo a qual aquele mundo é governado e que cresce cada vez mais neste “mundo” como exemplo podemos citar países como: Arábia Saudita, Rússia, Turquia, Venezuela e China. Com este último é possível traçar um paralelo com a necessidade de reafirmação de autoridade através da propaganda e exposição da força. Durante a comemoração de 70 anos da Revolução Comunista foi transmitido para todo o globo a parada militar chinesa, que expôs seus armamentos, como tanques, demonstrando seu poder armistício. Um regime baseado na alienação(seja ele democrático ou autoritário) precisa demonstrar sua autoridade, podendo ser através da propaganda, que tenta mostrar como está tudo bem e não é preciso pânico algum, life is good, não ha nada com que se preocupar e tudo faz total sentido(sorrisos, risadas, sexualização e uso de drogas). Essa propagando pode vir em alguns casos através de fotos sem camisas de seu líder, mostrando assim seu poder. Quando a propaganda começa a não ser tão eficaz é o momento para recorrer ao uso da força física.

Um paralelo possível é o filme Amarcord (Federico Fellini, 1973) somos apresentados a um grupo de adolescentes que conseguimos facilmente nos relacionar por meio de seus problemas sexuais, familiares e psicológicos, para depois nos mostrarmos a sociedade fascista da Itália, a qual idólatra Benito Mussolini, em uma das cenas vemos uma parada militar com uma cabeça gigante de Mussolini, dentro do filme é perceptível os tons de cinza, herança direta dos camisas negras. O impacto causado no espectador em Amacord é de perceber que aquele indivíduos que ganhamos um certo afeto são fascistas, causando impacto em nossos sensos morais. Em O menino e o mundo o impacto é similar, seria o nosso menino, aquele que acompanhamos ao longo de toda a narrativa um covarde? Um fraco? Como é possível que ele suporte aquelas violências diárias sem fazer nada para mudá-las, como ele pode apoiar um regime autoritário sem se revoltar, sem se manifestar. Seria o menino nós? Apenas mais um, em um de indivíduos que fazem o mesmo.