Estreia de Ari Aster no longa-metragem, Hereditário conta a história da família Graham após a partida da matriarca. Dois discentes analisam o filme.
Hereditário, o sofrimento que parece não ter fim
Hereditário (Ari Aster, 2018) é um filme que se eu colocasse minha mãe pra assistir, ela com certeza ia odiar e classificar como “sessão desgraça”. Isso aconteceria porque normalmente quando ela vai assistir a um filme ela procura um escape dos problemas que estão circulando na vida dela e não é isso que acontece com esse filme, inclusive é o completo oposto.
Na primeira metade do filme, somos apresentados a uma família onde tudo vai mal. As relações são desconexas, Annie, a mãe (Toni Collete) e Peter, o filho (Alex Wolff) são sempre muito frios em suas interações, e vivem sendo passivo-agressivos um com o outro, e Charlie, a filha (Milly Shapiro), nos deixa o tempo inteiro com a pergunta: “o que é que há de errado com essa menina?”, porque alguma coisa definitivamente não está certa. Tudo isso ainda é somado ao fato de que os personagens estão passando por um processo de luto, que ao longo do filme se tornam dois processos de luto por perdas distintas, quando Charlie é “acidentalmente” morta.
Todos esses problemas e batalhas que os personagens enfrentam na primeira metade do filme geram no espectador uma empatia imensa e passamos a nos importar verdadeiramente com aqueles personagens, porque eles sofrem tanto que você não vê a hora daquilo acabar. Um dos vários pontos fortes na direção de Ari Aster é a maneira com a qual ele estende esse sofrimento o máximo possível. As cenas longas, os silêncios aparentemente intermináveis e os momentos de tensão e desconforto deixam um nó na garganta do espectador, que assiste a um filme que se torna completamente desesperador na sua segunda metade, que é quando mergulhamos de vez numa história de terror sobre uma seita satânica.
A transição desse drama familiar para a explicação paranormal das coisas que estavam acontecendo com eles é muito bem executada. O diretor desde muito cedo no filme nos sinaliza uma trama de manipulação, deixando soltos detalhes e símbolos que assistindo pela primeira vez, passam completamente despercebidos por olhos menos atentos.
Porém o que nos imerge de vez na questão sobrenatural, são as atuações, principalmente a de Toni Collete, que no papel de Annie, a mãe, se destaca com suas expressões de descrença, raiva, curiosidade, desespero e toda a gama de emoções que ela consegue transmitir quando sua personagem interage com a família e com o sobrenatural.
As sensações que esse filme me causou definitivamente não são boas, e uma coisa que contribuiu imensamente para a criação de expectativa, e para a sensação de que aquele sofrimento não teria fim, foi a trilha sonora, que sabe o momento de assustar, mas também se vale muito do silêncio. O ambiente sonoro do filme também é ótimo. As moscas voando e o estalo que a menina faz com a boca no meio do silêncio são muito agoniantes, contribuindo ainda mais para a tensão que é construída. Concluindo, Hereditário é um filme excelente, porém não me deixa com vontade nenhuma de assistir novamente. As emoções que o filme causou tão bem em mim, são emoções que eu realmente não gostaria de sentir mais uma vez. A tensão, o desespero, a raiva e o medo são transmitidos com tanta eficácia pelo filme que ele se torna verdadeiramente uma experiência muito desconfortável. E que bom que é assim. Ari Aster constrói aqui uma história de terror que não abandona clichês do gênero, mas que possui uma criatividade macabra em sua trama que é muito ímpar. É justamente isso que torna Hereditário um filme de terror fora da curva.