O ano passado em Marienbad (1961)

Segundo e polêmico filme de Alain Resnais a partir de uma história do autor do nouveau roman Alain Robbe-Grillet é analisado por Ryan Carmo.

Críticos:

Ryan Carmo

Durante a exibição de O ano passado em Marienbad (1961) no Cineclube Coxiponés, um termo vinha a minha mente com razoável frequência no decorrer do filme: cabin fever, que se trata do fenômeno de pessoas confinadas em um espaço delimitado e que vão gradualmente enlouquecendo e perdendo dimensão da realidade, e é uma característica muito latente no filme de Alain Resnais, que através da não-linearidade e progressividade da perda noções básicas do ambiente e das pessoas que rodeiam seus protagonistas, estabelece uma narrativa de natureza imaginativa e quase psicodélica. Ainda que o uso de cabin fever seja muito mais tradicional em gêneros como os de suspense, terror, ou até ficção científica, Resnais se apropria desses artifícios para essa que em teoria é uma história de romance.


Junto disso, uma das maiores semelhanças a ser traçada com seu primeiro filme, Hiroshima mon amour (1959), talvez seja a reconstituição de memórias como forte fio condutor do que vai levar os personagens às problemáticas de suas relações.


Nesse “castelo” não há concepção de tempo bem definida – até as pessoas oras se tornam estáticas numa espécie de Mannequin challenge – e os personagens se vêem presos em suas próprias memórias e confinados numa noção distorcida do que a realidade ao seu redor pode vir a proporcionar a eles. É um etéreo arquitetônico que parece os impedir de escapar, espacialmente e psicologicamente. Tudo é redundante e repetitivo, e é na natureza espiral de sua narrativa que se sustenta a tentativa contínua de Resnais de estabelecer desordem e confusão, dentro e fora da tela.


A câmera passeia por esses gigantes salões de grandes decorações e infinitos corredores que parecem não levar seus personagens a lugar nenhum e que remetem à uma burguesia lustrosa e incapaz de estar em contato com qualquer coisa que custe menos do que uma quantia estrondosa de dinheiro. E ao contrário de seu filme anterior, dessa vez o formato anamórfico é o utilizado para proporcionar maior escopo e usufruir da melhor forma possível da espacialidade desse hotel interminável, que também é fortemente somada pelo forte realce da profundidade de campo de seus espaços.


Seus espelhos criam mundos duplicados, e realçam a alucinação visual que estar nesse ambiente proporciona. As construções parecem evocar um barroco que compõem um frequente uso de formas geométricas que torna tudo ainda mais fantasioso. E até a montagem é um artifício utilizado muitas vezes para nos enganar, ainda que seja através dela que ainda seja possível se agarrar o espectador confuso com todas as dispersões circunstanciais do filme. Através de um artifício de montagem que remete ao efeito Kuleshov, o filme anuncia a suposta morte da protagonista, que no clímax de seu enredo ameaça acontecer (e talvez até tenha acontecido), entre diversos outros momentos em que sua montagem repleta de elipses e quebras de decupagem clássica, proporcionam um efeito sensorial e narrativamente rico para sua experiência como um todo.


Talvez um dos grandes méritos de Resnais esteja no contraste entre o quão estético e polido sua condução audiovisual se propõe a ser, em comparação com o quão enigmática é sua estrutura de texto e qualquer que seja a forma de “progredir os eventos” de seu enredo.


Muito mais do que no que seu conteúdo, que poderia ser resumido a um homem insistentemente convencendo uma mulher de que eles tiveram um caso à la Antes do amanhecer (1995), é na sua forma fílmica e audiovisual que se encontra o encanto dos pormenores de Ano passado em Marienbad. É uma viagem hipnotizante e delirante que nunca se limita a moldes convencionais de como contar sua história, seja ela qual for.