A cinebiografia do criador da bomba atômica dirigida por Christopher Nolan é analisada pelos discentes Lucas Aaron e Ryan Carmo.
Oppenheimer, décimo segundo longa de Christopher Nolan, apesar de ter sido divulgado como um épico biográfico sobre o pai da bomba atômica se encaixaria mais como um suspense repleto das usuais características do diretor. Está tudo lá, o roteiro não linear, o apresso por uma certa didática ao criar o universo fílmico, a preferência por efeitos práticos, o uso de cores mais singelas e até mesmo um ingênuo plot twist situado mais ao fim de suas 3 horas.
Ao se apresentar o longa dessa forma aparentemente não há nada de novo, porém Oppenheimer conta com uma escolha do diretor que o diferencia diante de seus outros filmes. E esse diferencial se dá exatamente no protagonista que titula o filme. O físico interpretado por Cillian Murphy, de maneira muito singela por sinal, é quem ao carregar o filme, tenta criar diversas camadas ao mesmo, situação na qual não sai bem-sucedido.
J. Robert Oppenheimer é o personagem mais complexo a incluir o hall de protagonistas do diretor, o físico sempre é mostrado com certa dualidade em uma espécie de looping que nega e afirma sua personalidade. Ora é um estudante que sofre de ansiedade, noutra ele tenta matar seu professor com uma maçã envenenada. Em outro momento, decide entregar seu filho para um amigo criá-lo, mas reconhece que o ato provém de seu egoísmo e de uma maldade interior, numa rápida possível desistência, que já é cortada e nos leva para outra cena.
O filme então escolhe expor o pai da bomba atômica a partir de variadas facetas, que perpassam por um gênio delirante, um estudante dedicado, um herói, um mulherengo, o salvador da pátria até enfim se tornar a morte, o destruidor de mundos. A analogia feita do físico com o semideus da mitologia grega, que dá título ao livro que inspirou o diretor, é possivelmente a única interpretação definitiva do diretor sobre o personagem, assim acompanha-se Oppenheimer sem compreender ou determinar motivo para suas ações.
No mito, Prometeu, um titã, era encarregado da criação dos mortais, seu irmão Epimeteu compartilhava a tarefa com ele. O irmão então cria os animais e dá a eles características distintas, como agilidade, força entre outros, no momento de criar o homem não há mais habilidades a serem entregues. Padecido da situação que gerara, Prometeu entrega o fogo dos deuses para o homem, que a partir disso consegue exercer domínio sobre seu semelhante. Prometeu claro, foi castigado pelos deuses do Olimpo, condenado a permanecer preso ao Monte Cáucaso onde uma águia comeria seu fígado, que regenerado no dia seguinte estaria lá para o pássaro comê-lo novamente.
O prometeu moderno deu a bomba atômica para a humanidade e esse é o principal ponto que Christopher Nolan quer que endure a partir de seu filme. A complexidade é então passada de pai para filho, o posicionamento sobre a bomba perpassa diversas posições, a do medo, do fascínio e até mesmo a do engrandecimento. Sendo obviamente a cena onde se recria o teste Trinity a mais marcante do longa, ao escolher, de maneira minimamente sábia, não recriar as detonações em Hiroshima e Nagasaki, Nolan age a reafirmar e reconhecer que a realidade de um mundo onde bombas podem dizimar populações inteiras é muito maior que seu criador, ou melhor seu pai.
Um exemplo disso, e até mesmo recorrente no longa, é o de persistir que já seria possível a criação da bomba H, fato que é mostrado a partir da insistência de Edward Teller, físico que deixou o Projeto Manhattan para integrar a equipe que criaria a bomba H. Atrelando a isso a questão política da Guerra Fria, o desenrolar do filme se atenta conclusivamente ao julgamento, dando espaço para a figura de Lewis Strauss, interpretado por Robert Downey Jr. conduzir o clímax e o anteriormente mencionado plot twist. O problema acontece quando o diretor mesmo entendendo a realidade da bomba e a possibilidade de um poderio ainda maior que o de Oppenheimer, coloca o físico na condição de alheio áquilo que o define.
Dessa forma, vinculado ao clímax, o filme se encaminha a gerar uma espécie de redenção a Oppenheimer, tendo como exemplo sua postura durante o julgamento, sempre melancólico e decoroso, o físico reafirma seu amor e comprometimento para com os EUA, fugindo de sua associação com os comunistas. Ao dizer para o presidente que suas mãos estão sujas de sangue, Oppenheimer reafirma a postura de herói arrependido, o que é rebatido por Truman ao chamá-lo de bebê chorão e lembrar o físico que as pessoas nunca pensarão em quem fez a bomba e sim em quem a lançou, que na realidade é o que realmente importa. Sendo assim os esforços do diretor em traçar essa redenção acabam sendo quebrados por ele mesmo, mesmo que talvez inconscientemente, outro exemplo ocorre quando a esposa do físico, Kitty (Emily Blunt), se afirma e se defende nesse mesmo julgamento, dizendo ao marido que se colocar como culpado não mudará as coisas, afinal as bombas já haviam devastado as duas cidades japonesas.
Portanto, Nolan guia a redenção de seu protagonista colocando a bomba como uma personagem maior, assim o diretor flerta com a propaganda de guerra, mas tenta nunca utilizá-la exatamente, como quem procura justificar a necessidade da bomba, porém sempre lembrando que nenhuma justificativa de seu uso se equipara ao seu poder destrutivo, sendo assim não há justificativa. Na sala de conferências os japoneses se tornam uma ameaça irredutível, a ideia de que uma ofensiva no Japão mataria jovens americanos que precisam voltar a suas famílias é traga a tona, procura-se uma cidade vítima, Kyoto é descartada já que um dos poderosos adorou passar a lua de mel lá, Oppenheimer com um olhar pesado parece indiferente, de novo, talvez na tentativa de revelar traços de alguém que reconhece estar em um caminho sem volta, a bomba é então colocada na posição de responsável pela paz, Hiroshima é escolhida para pôr fim a guerra, e Nagasaki nos lembra que de onde veio essa tem outras.
O exímio trabalho sonoro do filme cria as nuances, reiterando a anteriormente mencionada dualidade, sendo a aclamação retumbante do bater de pés colocada frente a frente ao físico que partilha de um triunfo falso ao festejar o lançamento da bomba e lamentar que a mesma não fora usada na Alemanha, todo o entusiasmo do aluno genial e do mulherengo que têm comunistas como amigos se esvai restando apenas o Prometeu que se tornou a morte. Paralelamente ao mito, Prometeu é salvo por Hércules de seu castigo, o julgamento injusto, castigo de Oppenheimer, se prova uma armação feita por um invejoso, nos trazendo de volta o bom cidadão americano que ajudou a pôr fim a 2° Guerra Mundial.
Somando a isso a presença da trilha sonora, que não dá descanso e assombra as 3 horas de filme se compõe o eclipse de Oppenheimer, ora um gênio, um comunista, uma ameaça, e, por fim, um nato cidadão americano, que após um julgamento injusto recebe seu reconhecimento. Dessa forma Nolan cria um personagem confuso que aparentemente ele mesmo não procura conhecer, ou talvez parta de uma indecisão do diretor em decidir quem é o pai da bomba atômica, invés de uma biografia, tem se um grande thriller que busca compreender o mundo criado por Oppenheimer, o que é feito mas sem nunca entender por completo quem é na verdade o criador desse mundo.
Oppenheimer é então o retrato, talvez inacabado, de uma importante figura, um filme de atuação e roteiro, uma tragédia que é tratada mais como um devaneio do que uma reconstrução histórica. O sucesso do longa de Christopher Nolan, parte de um fenômeno maior chamado “Barbienheimer”, será ainda muito discutido e prova que seu diretor como também hollywood e o público ainda compreendem as diversas possibilidades que o cinema pode ter, mesmo que o filme em si não tenha sido um triunfo naquele que propôs fazer.