Animação distópica de Hayao Miyazaki, Nausicaä abre um novo ciclo sobre o diretor e é analisado por Nicolas Figueiredo e Carlos Nascimento Andreotti Alves.
Natureza e guerra
Desde a Era Meiji (1868-1912) com a industrialização do Japão, as relações entre a nação e o meio ambiente era conturbada. Não demorou muito para que o efeito desse avanço industrial trouxesse danos ás áreas próximas as indústrias e consequentemente afetasse a saúde dos japoneses. Uma dessas consequências foi a doença de Minamata, provocada pelo vazamento de mercúrio nas águas dos rios. Misturando esses fatos, ao conto folclórico japonês A princesa que amava insetos (Mushi mezuru himegimi) e com fortes inspirações visuais dos quadrinhos Arzach do francês Jean Giraud, Hayao Miyazaki contempla a relação humana com a natureza.
Nausicaa do vale do vento (1984) é o primeiro trabalho de Hayao Miyzaki como roteirista e diretor, (antes tendo trabalhado apenas como diretor) e adapta seu mangá de mesmo nome. O filme desde já marca características marcantes dos trabalhos do diretor como a presença de protagonistas femininas, temas ambientalistas, caráter antibelicista e um enorme respeito pelo céu e o vento.
A obra narra a história de Nausicaa, a princesa de uma pequena vila em um mundo pós apocalíptico tomado por florestas tóxicas e insetos gigantes. Porém diferentemente do que se espera de um cenário tão opressivo, Miyazaki rapidamente com o início do longa estabelece uma relação de contemplação com esses cenários. A primeira cena onde a garota explora essas florestas não é assustadora, é confortável e paradoxalmente um local tão mortal ganha beleza e pureza. Cria-se desde então essa discrepância entre uma fantasia infantil e o assustador que se entrelaçam pelo longa e de diferentes formas aparecem, como a pureza do céu sendo banhada por aviões de guerras, ou a natureza sendo bombardeada pelo fogo e a princesa inocente se perdendo em fúria.
Além disso o longa reflete em sua representação da relação homem x natureza, um quesito cultural, advindo de estigmas e crenças. A representação oriental, estabelece com a natureza uma relação voltada as religiões asiáticas como o budismo, onde natureza e ser são um só. Uma empatia que se estende para além de si e abraça tudo ao redor. Enquanto a representação ocidental, se dá ao estigma da guerra e a relação de poder. Armamentistas que não respeitam a natureza, mas desafiam-na e tentam conquista-la como forma de progresso, esse que é evidenciado pelos gigantes do filme que são analogias à bomba atômica. Porém sem necessariamente demonizar, mas demonstrar uma relação de medo recorrente.
As diferentes visões, a beleza no assustador e cicatrizes de conflitos perpetuam pela animação em toda sua duração e configuram o começo da jornada de Hayao Miyazaki e sua equipe. E mesmo em sua timidez, como acontece no ato de verbalizar a imagem de forma redundante, segura para si o título de primogênito do estúdio Ghibli.