Castelo animado (2004)

Uma bruxa amaldiçoa uma jovem, transformando-a em uma velha. A fim de reverte o feitiço, ela vai à procura de Howl, um misterioso feiticeiro que poderá ajudá-la.

Críticos:

Lucas Aaron
Carlos Nascimento Andreotti Alves

Se em alguns de seus filmes Hayao Miyazaki apresenta personagens heroicos, que de uma forma ou outra, conseguem guiar suas próprias histórias com grandes feitos que acabam por alterar o mundo em que vivem em Castelo Animado tem-se exatamente o oposto. Aqui, os personagens, desajustados em relação ao mundo que habitam, conseguem alterá-lo de forma a parecer um simples acaso, sendo que o fazem por conta do amor, tema central do longa, que é atrelado a protagonista. Tendo o amor como base, o filme então decide faltar com seu oposto, quase omitindo o ódio e a guerra presentes na história, deixando para eles uma importância quase banal se considerado a presença que esses temas tinham em filmes anteriores do cineasta como Nausicaa (1984) e Princesa Mononoke (1997).


Castelo animado, animação de 2004, baseada no livro de 1986, escrito por Diana Wynne Jones, conta a história de Sophie, garota insegura que trabalha em uma chapelaria situada em um reino que contém feitiçaria e forte presença de máquinas de guerra. Acostumada com a vida que leva, Sophie não espera muito para si, um certo dia uma bruxa aparece na loja e lança uma maldição sobre a garota a transformando em uma velha de 90 anos. Sophie então embarca em uma jornada para se livrar dessa maldição, conhecendo um jovem mago e seu castelo andarilho.


Essa jornada de Sophie rumo a quebra de sua maldição tem algumas das usuais características da jornada do herói clássico, Sophie como muitos outros foi tirada de sua zona de conforto para realizar grandes feitos, porém de maneira pouco usual a maldição que é dada a Sophie, responsável por fazê-la embarcar na jornada não vem acompanhada de nenhum guia para a protagonista, sendo que suas ações, como também as ações de diversos outros personagens, somente acontecem. Em Castelo animado não sabemos os motivos que geram algumas situações que guiarão a história, não há nenhuma conexão ou passado que justifique a bruxa ter aparecido na loja certa noite de modo imponente e grosseiro amaldiçoando nossa protagonista, também não há motivo para Sophie rumar a montanha depois de idosa, ou talvez algum motivo para o mago possivelmente não conseguir retornar a forma humana quando passado muito tempo como pássaro.


Dessa forma a história é construída no que se parece com um grande acaso, sendo que de modo a pensar na banalidade da mesma, provavelmente a única coisa na qual motivo realmente não se faz necessário, é a guerra, cuja presença só serve para gerar o clímax e a resolução da jornada desses personagens. Jornadas essas que ocorrem a partir da protagonista e seu impacto no mundo, dessa forma a própria jornada principal da protagonista se torna uma jornada mútua, compartilhada com esses desajustados que aos poucos formam uma família que vive em um castelo vagante. Assim, a maldição que a bruxa deu a Sophie perde força e deixa de ser algo relevante já que a mesma tem um efeito oposto na protagonista que agora como uma velha senhora se vê potencializada.


Sophie, agora idosa se torna livre, livre de todas as preocupações que ela tinha quando jovem, preocupações essas relacionadas a sua autoestima, um problema que aqui assola todos os personagens e se relaciona com a jornada pessoal de cada um deles. Sendo que um momento impactante é justamente aquele no qual ela briga com Howl quando o mago reclama “não posso viver se eu não for bonito”, Sophie então desaba em lágrimas dizendo ter “sido feia a vida toda” e vivido com isso, o egoísmo do mago que de certa forma era tratado como uma virtude também começa a definhar com o impacto que Sophie tem sobre ele, quando o mago então começa a assumir outras formas de se sentir bonito que não sendo loiro.


Sophie então é geradora de mudanças em outros personagens, como o fogo que ambiguamente é um demônio que não pode ser confiado, porém ao mesmo tempo é simpático e “bonito” como diz a velha bruxa, funcionando literalmente como um coração que mantém o castelo em movimento. Fogo é então revelado como parte do mago, numa curiosa cena que funciona como um poético flashback da infância de Howl, onde o mago ainda garoto talvez brinque com estrelas cadentes, Sophie então é responsável por desvincular um do outro dando liberdade ao fogo que se sentia um escravo servindo um mestre egoísta e devolvendo a vida ao mago que aparentemente morrera devido a guerra.

 

O egoísmo do mago, tido como motivo do mesmo não lutar na guerra é a mudança que Sophie gera naquele que ela ama, tornando-o humilde. Sendo o amor entre os dois o possível motivo da quebra da maldição que assola Sophie, já que a protagonista quando perto de Howl ou quando cuida dele sempre rejuvenesce, ele que até então não lutaria na guerra, sempre se escondendo se torna atuante na mesma, o clímax, talvez um pouco confuso passa a não ter muita importância se pensarmos que o mesmo só está lá para engrandecer a protagonista que tem compaixão inclusive com aquela que a amaldiçoou, dessa forma o filme funciona como um círculo vicioso onde Sophie conhece alguém, se aproxima desse alguém para então fazê-lo ser uma versão melhor daquela que Sophie conheceu inicialmente.


A relação da protagonista com quem seria a antagonista é um fato curioso, como dito antes, a partir de um ponto Sophie parece nem se importar mais com a idade que lhe é dada, com exceção da divertida cena em que ela e a bruxa sobem as escadas em convite do rei, onde ambas se insultam, Sophie começa a perder a raiva que tinha da bruxa. Desse modo quando a bruxa se transforma em uma velha simpática Sophie cuida dela da mesma forma que cuida do castelo e da família que habita nele, e no momento em que a bruxa se vê tentada e acaba por tomar o coração do mago, por quem sempre foi apaixonada, em uma última tentativa de possuí-lo, Sophie novamente tem compaixão da velha e a convence a deixá-la salvar Howl e libertar o fogo. A protagonista de propriedades mágicas, também acaba por transformar o curioso espantalho em um príncipe fato que acaba por mudar a posição da feiticeira do rei em relação a guerra colocando fim na mesma, portanto a jornada do herói em Castelo Animado não tem relação com o herói em si mas sim relação com o impacto que esse herói deixa naqueles que ele escolhe amar.


Diferentemente de outros longas do diretor, como os mencionados anteriormente, onde os conflitos são repletos de nuances em que fica difícil classificar os personagens a partir de certo/errado, Castelo Animado em uma rápida olhada inicial pode parecer uma simples história maniqueísta onde uma bruxa pune a mocinha por pura maldade. Porém, o que se desenrola é uma história mediada pelo amor construído entre a protagonista e os personagens que a compõem, o final feliz do filme e a conclusão da jornada acaba por ressaltar o que talvez seja a principal questão do longa, sua mensagem antiguerra. Castelo Animado talvez seja o filme de Miyazaki onde essa mensagem se faz mais retumbante, já que ao decidir fazer um filme sobre o oposto da guerra, ele queira lembrar a todos da falta de necessidade da mesma.