A Falecida (1965)

Após uma visita à cartomante, Zulmira é informada que uma loira pode ameaçar sua paz. Ao conversar com seu marido Toninho, ela desconfia que a prima Glorinha pode ser a tal loira. Mal de saúde, Zulmira faz todos os preparativos para o dia de sua morte e pede ao marido desempregado que trate dos custos do caixão e funeral com um homem chamado João Guimarães Pimentel. O que Toninho não sabe é que Zulmira e este homem escondem alguns segredos que ele jamais poderia imaginar.

Críticos:

Thalles Fernandes

A Falecida



A falecida (1965) é um filme dirigido por Leon Hirszman e baseado na peça de teatro de mesmo nome escrita por Nelson Rodrigues. Conta a história de Zulmira, interpretada por Fernanda Montenegro, uma mulher que possui uma obsessão com a morte e também com a ideia de ter um enterro grande e luxuoso para compensar a sua vida triste e miserável. Tudo em sua vida vai de mal a pior: é casada com Toninho, interpretado por Ivan Cândido, um homem desempregado e totalmente desinteressado por ela; mora numa casa simples no subúrbio do Rio de Janeiro; e ainda desconfia de que sua prima lhe fez uma macumba para que ela morresse. Sendo assim, aceitando e até mesmo desejando seu inevitável futuro, ela decide planejar seu enterro como o mais grandioso já visto na história do país.

Zulmira é uma pessoa reservada e distante das outras com quem convive, e a sua obsessão pela morte a torna ainda mais rancorosa e amargurada, fazendo-a parecer louca, o que consequentemente faz distanciar-se ainda mais destas pessoas, principalmente de seu marido Toninho, que passa seus dias em bares jogando sinuca e discutindo sobre os jogos do Vasco no Campeonato Carioca, enquanto finge que está à procura de emprego. Diante dessa rotina triste e solitária, não resta a Zulmira nada mais do que viver uma vida monótona, até que ela se encontra com uma cartomante que a diz para ter cuidado com uma mulher loira. Obcecada com a informação, ela procura encaixar tudo o que está de ruim a sua volta com essa tal mulher loira que julga ser sua prima Glorinha.

A maneira como ela se espelha em Glorinha e reflete suas frustações nela, apontando inicialmente como ela é uma relogiosa fervoroza, ao ponto de chamar de sem vergonha as mulheres que beijam de boca aberta, mas logo depois dizer que ela mesma não usa biquini e não vai à praia por ser religiosa, ou também quando ela diz que sua prima é a mulher mais séria da região e que por conta disso era uma chata, e também quando ela fica de certo modo contente ao saber que Glorinha tem câncer no seio, mostra que, ao mesmo tempo em que ela odeia Glorinha, Zulmira parece desejar ter sua vida, ser uma mulher séria, com dinheiro, que ouve samba no maior volume possível e que, principalmente, chama atenção de todos. 

O desinteresse de Toninho em sua mulher é a causa da ruína de seu casamento, onde não consegue a satisfazer emocionalmente e nem sexualmente, fazendo-a procurar conforto nos braços de outro homem, onde ela pensa ser vista e amada. Alienado em seu próprio mundo, Toninho nem sequer enxerga Zulmira como um ser com sentimentos e emoções, dizendo até que inveja seu desinteresse por futebol e, consequentemente, sua falta de aborrecimentos. Enquanto sua esposa exclama que quer morrer, ele apenas se esquiva dela como se ela fosse somente um tipo de mosca irritante. Nem mesmo o último pedido de Zulmira é correspondido por ele, se deixando levar pela fúria da traição e dando a ela no momento em que ela mais desejava ser escutada, o mesmo tratamento que ganhou em vida: o de absoluto desinteresse.

A morte é o tema central do filme, a personagem principal está totalmente crente de que está doente e prestes a morrer, não aceitando ouvir nem sequer uma opinião contrária. O pensamento a corrói a cada minuto ao ponto de planejar todo seu enterro como o mais caro de todos na funerária mais cara da cidade, fazendo assim ela ter toda a atenção que acredita merecer, e chega até a desejar morrer antes de Glorinha apenas para que ela consiga ver seu enterro. Essa sensação de depressão e afundamento da personagem está presente durante todo o longa, vemos ela se afundando cada vez mais em seu rancor e desejo de morrer, ao ponto em que ninguém mais consegue a salvar desses pensamentos. A falta de alguém presente na vida de Zulmira apenas contribui para a piora de sua saúde, que não é física como ela imigina, e sim mental, mostrando como tudo ao redor a afeta de maneira ainda mais forte do que se ela tivesse apenas uma gripezinha como o médico com quem ela consultou relatou. Ela está o tempo todo pedindo socorro de maneira silenciosa e ninguém está ali para escutá-la.

Zulmira está tão presa nesse poço mental que vê a morte como uma maneira de salvação, como uma forma de escapar de toda aquela situação, ao mesmo tempo em que reclama e se desespera com a ideia de morrer, esse é o seu maior desejo, poque, para ela, somente assim ela poderá verdadeiramente viver. Somente estando a par de todo o processo de sua morte ela se sentiria viva e por isso fez questão de escolher pessoalmente todos os detalhes de seu enterro, transformando assim esse momento que para ela já era especial, em um verdadeiro evento para que todos presenciassem.

Os pensamentos que ecoam em sua cabeça, a amargurece e adoece somente param quando eles são limpos pela chuva, a purificando por um breve momento, mas um momento em que ela foi verdadeiramente feliz, que não sentiu nada mais além do que as gotas de chuva em seu rosto, arrancando dele um sorriso genuíno. Isso era o que ela queria sentir sempre, era o que ela estava buscando e que pensava já ter descoberto como alcançar, essa era a melhora antes da piora fatal, era o momento antes de seu sonho se concretizar. Zulmira já tinha aceitado seu destino e se planejado para ele, tudo ia acabar como ela queria. Após tudo isso, o que ela mais quer é que tudo se realize da maneira que desejou desde o começo. Tudo o que ela queria era não ser apenas mais uma falecida, mas sim A falecida.