Barnabé, Tu És Meu (1951)

Barnabé é faxineiro de um cientista maluco. Acidentalmente, ele carimba a estrela de Davi na mão com a última invenção do chefe, uma tinta de longa duração. A marca atrai a princesa Zuleima, que acredita que ele seja herdeiro de Salomão e, portanto, seu prometido.

Críticos:

Nick Duarte

Um gostinho do que foi as Chanchadas


Barnabé, tu és meu (1952) não é o primeiro filme que vem à mente das pessoas quando ouvem falar sobre as chanchadas realizadas entre os anos 1940 e 1960 pela Atlântida Cinematográfica. Todavia, é uma obra excelente para se discutir sobre as características desse gênero de produções que transformaram o cinema nacional. Barnabé, tu és meu acompanha a história de um homem que está noivo da filha de um cientista e que, por acaso, acaba carimbando a Estrela de Davi nas costas de sua mão com uma “tinta eterna”. A trama gira em torno das consequências desse evento que, por incrível que pareça, quase levam o protagonista à morte diversas vezes. É nesse desenrolar que podemos ver claramente qual é o “molde” predominante nas chanchadas que conquistaram o país na época.


Assim como grande parte dos filmes desse gênero, Barnabé, tu és meu é composto por um conjunto específico de personagens, sendo eles: o mocinho, o vilão, os ajudantes do mocinho e a donzela. Apesar de existir outros papéis na obra, são esses quatro que movem a história e movimentam a narrativa. Onde não só acompanhamos os perigos em que o protagonista se colocou sem querer, mas também torcemos pelo mesmo enquanto rimos com ele. Esse é um ponto chave nas chanchadas, o humor. Esse estilo de filme vem ao mundo com o objetivo de englobar três características principais na tela de cinema: a comédia, o enredo e a musicalidade. E são esses conceitos que moldam os filmes produzidos pela Atlântida dos anos 1930 até metade do século XX.


Existe, nesse “sistema” de produção, um forte desejo de contrariar a crítica e, para isso, utilizou-se de piadas sutis, artistas de rádio famosos e um novo público alvo para as obras: as massas. Durante a sua época, as chanchadas eram aclamadas pelo público e desprezadas pela crítica, que via essas produções como apresentações vulgares e de baixo prestígio. Já os brasileiros “médios”, pessoas comuns que consumiam cinema por lazer, se divertiam com as aventuras dos heróis bobos e alegres nas telas. Os filmes, então, se tornaram um descanso para a rotina puxada, um fôlego de felicidade e simplicidade. Portanto, a comédia, as paródias, a presença de figuras conhecidas pelo público, filmes de enredo e personagens caricatos constituíram o que se tornaria as chanchadas.


Outrossim, é de suma necessidade pontuar a importância e o impacto que o rádio teve nesse período do cinema brasileiro. O rádio era o momento, era ele que possuía as grandes vozes do país e, a partir do instante em que há a possibilidade de um cinema falado, não havia como não incorporar algumas individualidades do radialismo para as telas em preto e branco. É assim, por meio de musicais introduzidos de forma lúdica na narrativa, que as chanchadas abriram caminho nas mídias sonoras. Agora o cinema era audiovisual. E Atlântida fazia questão de não mascarar esse estilo de inserção, diferente das produções hollywoodianas que tentavam apresentar as “cenas cantadas” mais sutilmente. E o público brasileiro aceitou muito bem a musicalidade escancarada das chanchadas. Essas, mesmo mais “perceptíveis” que as americanas, ainda tinham sentido dentro da trama e eram parte substancial para a mesma. Adicionando um tipo de interação diferente da costumeira, o que chamava a atenção dos espectadores e os atraía para as salas de cinema.


Em Barnabé, tu és meu, a música se apresenta de maneira divertida e em cenas de intenção cômica. Sempre com o protagonista em destaque, pois a história é sobre ele e como ele está enfrentando as situações em que se encontra, sempre de forma leve e descontraída. Quase como se não se preocupasse com o que aconteceria depois, sentindo medo apenas quando está frente a frente com uma possível morte. Essa que nunca acontece, pois, aqui, o que prende o público é como o personagem vai vencer seus inimigos e ficar com a donzela. Tudo isso sendo sagaz e enganando o vilão do modo mais engraçado possível. E é por isso que o musical se dissolve tão bem nas chanchadas, pois os espetáculos são um incremento de sobreposição a uma aura pitoresca pré existente pela própria essência do protagonista.


De modo geral, pode-se dizer que Barnabé, tu és meu, dirigido por José Carlos Burle, não é o maior e/ou mais famoso filme produzido pela Atlântida Cinematográfica. Todavia, é uma obra interessantíssima para se analisar com olhos atentos, buscando os sinais e traços das chanchadas. E é válido compreender que não teve como propósito principal passar uma mensagem poética, mesmo que possa vir a ter sobre uma ótica de um espectador mais sentimental. Mas, sim, teve a intencionalidade de contar uma história com começo, meio e fim, tirar risadas do público e fazer com que o mesmo se esquecesse do mundo fora da sala de cinema por uma hora e meia. E nisso, Barnabé, tu és meu consegue se cumprir muito bem.