Nadando Em Dinheiro (1952)

Isidoro, depois de um acidente de carro, descobre que é herdeiro único de uma grande fortuna. Muda-se para a mansão herdada e começa a viver como milionário. Num jantar de gala descobre que as pessoas presentes à festa caçoavam de seus modos de novo rico. Isidoro começa a ter uma vida dupla, que acaba provocando uma série de confusões. Quando sua esposa decide deixá-lo, ele lhe conta de sua nova situação financeira pedindo-lhe, em vão, que volte. Triste, ele volta à sua mansão, onde é atacado por robôs que comprara de um investidor. Contudo, quando os robôs atacam, Isidoro acorda em sua pequena casa ao lado de sua mulher e filha. Nadando em dinheiro, mas.... em sonho.

Críticos:

Nick Duarte

Um banquete de moralidade


Em Nadando em dinheiro (1952), uma co-direção de Abílio Pereira de Almeida e Carlos Arthur Thiré, acompanhamos Isidoro, estrelado por Amácio Mazzaropi, um homem simples e de baixa renda que trabalha fazendo entregas com seu caminhão, Anastácio. A obra se inicia em um momento crucial para o personagem: um acidente de trânsito que se desenrola na grande descoberta de que Isidoro é na verdade neto, e único herdeiro, de um grande milionário. Então, após a morte do avô, recém revelado, o personagem recebe uma quantidade exorbitante de dinheiro e, agora, tem que enfrentar as diferenças e adversidades decorrentes do salto social que fez. Portanto, o filme gira em torno das novas vivências de Isidoro e sua família na alta sociedade brasileira.


No início, Isidoro se vê receoso diante de tanta riqueza, chegando a cogitar não se mudar para a mansão de seu avô e afirmando que sequer sabia o que fazer com tanto dinheiro, uma vez que já era feliz do jeito que vivia antes. Sendo assim, em um primeiro momento, o protagonista contraria os costumes da Elite, julgando e debochando dela. Todavia, conforme vai se acostumando a ser rico e tentando cada vez mais se inserir na alta sociedade, Isidoro vai sendo corrompido pela ganância. O personagem, então, se transforma, não é mais a imagem do paulista interiorano, mas sim de uma pessoa que rejeita sua origem humilde e que necessita se encaixar em um grupo social dominante para ser feliz. Assim, Isidoro se entrega à avareza, gasta dinheiro, trai sua mulher, compra mais e mais fábricas e planeja se tornar deputado, deixando de lado o que mais lhe trazia felicidade – sua família.


Todavia, não importa o quanto tente ser um membro da Elite, ele não consegue pertencer à mesma, já que ela o rejeita. Apesar de acreditar que é querido pelos amigos de seu falecido avô, Isidoro é renegado por eles pelas costas. É um de seus empregados que mostra a ele a dura realidade em que se encontra, através de uma televisão ligada às câmeras de segurança da mansão. Ao ver que aqueles que ele tratou da melhor forma possível, com bebidas caras, elogios e para quem serviria um banquete, estão zombando de si, Isidoro se revolta. Cerveja preta é o que o anfitrião manda distribuir aos convidados. Na mesa de jantar todos observam Isidoro enquanto o mesmo luta para seguir os “bons modos” e etiquetas que lhe ensinaram.


Nesse mesmo banquete, acontece uma das melhores cenas do filme que diz muito sobre a mensagem que o mesmo quer passar. Ao tentar comer uma manga com garfo e faca, o protagonista derruba a fruta embaixo da mesa e se abaixa para apanhá-la. Conforme ele engatinha por baixo da longa mesa, cheia de gente abastada, vemos os pés desses e Isidoro passando por entre eles, ora fazendo cócegas nas pernas das mulheres, ora mordendo tornozelos até desistir de alcançar a manga. Poderíamos dizer que a fruta é uma metáfora para a ascensão social que a classe baixa tanto almeja e os ricos sentados continuam sendo a Elite, a qual está sempre acima dos demais. O filme deixa claro que, para ele, quem come manga com as mãos não consegue comê-la com talheres. Ou seja, exibindo uma ideologia classista, em que aqueles que nascem pobres devem assim continuar, pois não saberiam ou teriam capacidade de usar grandes quantidades de dinheiro. Logo, dá a ideia de que cada um tem o “seu lugar” e nele deve permanecer.


Toda essa narrativa se consolida quando percebemos que há uma lição de moral contra a ganância por trás da obra. Vemos as consequências dessa, em Isidoro, quando ele perde a esposa, a filha, o cão, a amante e seu braço direito na casa, tudo de uma vez. A alucinação que o personagem tem após esse ocorrido, no final do longa-metragem, é muito significativa. Ao modo em que tudo o que ele toca se transforma em dinheiro, sendo uma sentença muito bem colocada. A repetição das palavras que ouviu das pessoas que o deixaram “Nade em dinheiro, coma dinheiro, cheire dinheiro” torna a cena ainda mais impactante. A cereja do bolo é a reviravolta que ocorre no fim da alucinação: Isidoro acorda assustado, está em sua velha casa com sua esposa, filha e cão e, acima de tudo, continua sendo pobre. Nada do que foi mostrado no filme é verdade, ele nunca ficou rico, nunca descobriu um avô milionário com “pé na cova”, e ele fica feliz por isso, pois ao tentar nadar em dinheiro, em seu sonho, Isidoro se afogou. Todavia, o que fica subentendido, após tudo, é que, para a classe baixa, ser rico é apenas isso, um sonho, do qual deve-se acordar e se contentar com a sua realidade atual.


Portanto, apesar de seus pontos altos como, por exemplo, uma boa comédia, excelentes transições e um plot twist muito bem feito. O filme não deixa de ser uma grande propaganda para o viés da sua época, sendo que, na década de 50, o Brasil estava se industrializando de uma forma acelerada e muitos sonhavam com a ascensão social. Isidoro vem para representar o povo brasileiro de baixa renda, que almeja transitar entre as classes, mas que, na visão dos ricos, não saberiam lidar com o dinheiro e sucubiriam a ganância. Sendo assim, Nadando em dinheiro é uma ótima obra para observar a influência do tempo sobre as artes, analisando como a sociedade da época era refletida nas produções cinematográficas e como essas, também, influenciavam os grupos sociais daquele tempo.