Expresso São Valentim (2024)

O amor sempre esteve presente na vida de Mabel. Ao vender passagens de ônibus num guichê de rodoviária ela forma casais ao colocar pessoas sentadas lado a lado para viajar. O que ela não sabia, é que o amor que ela sempre fez florescer na vida de outros, iria agora florescer na sua vida.

Críticos:

Thalles Fernandes

Expresso São Valentim


Expresso São Valentim (2024) é um curta-metragem de ficção dirigido por Guilherme Ayres e Luiza Torres. O filme conta a história de Mabel, interpretada por Gabriela Bandeira, uma vendedora de passagens de ônibus que forma casais ao vender passagens para as pessoas que se sentam lado a lado. Como uma espécie de cupido, Mabel tem um papel muito importante na vida amorosa dos passageiros do Expresso São Valentim, mas não se pode dizer que ela tem a mesma sorte em sua vida. Porém, as coisas estão prestes a mudar após ela desenvolver uma paixonite por Diana, interpretada por Lilian Regina, uma nova garçonete que trabalha em uma lanchonete que Mabel sempre frequenta antes de ir ao trabalho. Pela primeira vez, Mabel tem a chance de superar a sua timidez  e finalmente fazer a sua vida amorosa engrenar. Ou será que não?


Mabel é uma jovem que leva uma vida monótona, basicamente vivendo para o trabalho. Ela é uma pessoa que aparenta se sentir muito solitária e reservada, passando o tempo a caminho do trabalho ouvindo música encostada na janela, assistindo filmes sozinha em casa a noite e fumando melancolicamente na beira da janela. Até mesmo quando perguntam coisas de sua vida, Mabel desconversa e apenas segue o seu caminho, principalmente quando é relacionada à sua vida amorosa. Porém, ela também é uma pessoa muito gentil e amigável, pelo menos em seu ambiente de trabalho, sendo o seu problema apenas a socialização com as pessoas nas quais ela não é obrigada a interagir. Mesmo assim, ela visivelmente deseja ter uma vida amorosa e é constantemente lembrada de que a sua é praticamente inexistente.  


A vida de Mabel está repleta de simbolismos envolvendo o amor, desde o seu próprio nome, que significa “amável” ou “amada”, até a empresa em que trabalha, que leva o nome do São Valentim, um santo da Igreja Católica conhecido por ser o santo casamenteiro. Na época em que o filme se passa, próximo ao dia dos namorados, fica ainda mais difícil para ela escapar desse assunto, sendo por ver um homem fantasiado de coração na rua, ou por ouvir na rádio sobre a promoção do dia dos namorados. O próprio trabalho de Mabel envolve juntar casais, e é até mesmo irônico o fato de ela transformar a vida amorosa de várias pessoas diariamente, mas não conseguir dar um jeito na dela.


Por ser uma mulher sáfica, Mabel sente uma solidão ainda maior quando se trata de relacionamentos amorosos. Para pessoas LGBTQIAP+, é muito mais complicado se envolver romanticamente com outras pessoas, muitas vezes por não se sentirem desejados, dignos de atenção ou de amor. Muitos questionamentos aparecem na cabeça quando se apaixona por alguém: Será que eu faço o tipo dela? Será que ela vai gostar de mim também? Será que ela ao menos gosta de pessoas do mesmo sexo que o dela? Tudo é um terreno desconhecido e muito delicado. Às vezes a indecisão toma conta e não se sabe qual caminho tomar: Seria melhor tomar uma iniciativa e dizer o que sinto? Mas e se ela não se sentir assim também? E se a situação ficar estranha depois disso? São centenas de incertezas, ansiedades e expectativas que ficam à flor da pele nesses momentos. Para uma pessoa LGBTQIAP+, se apaixonar é muito mais intenso.


Portanto, Mabel se torna uma protagonista muito identificável pelas situações que ela vive quando começa a se apaixonar por Diana. Desde o primeiro momento em que elas se encontram, onde Mabel fica estática pela beleza da garçonete, até mais tarde quando ela aos poucos vai aceitando os seus sentimentos por Diana e decide finalmente dar um primeiro passo. Dessa forma, o espectador torce o tempo todo para que Mabel consiga se declarar para sua amada, e que elas possam viver juntas e felizes como nos sonhos que Mabel teve. Afinal, a pessoa que faz centenas de outros casais se apaixonarem todos os dias também merece receber um final feliz. Mas, como toda comédia romântica, as coisas não podem dar certo tão fácil assim, não é mesmo? 


O curta-metragem se encerra com um final em aberto. Não sabemos se Mabel realmente vendeu a passagem para Diana, se ela se declarou para a moça, nem o que ela fez com a premiação que ganhou da rádio. Tudo é uma grande incógnita. Porém, essa é uma finalização maravilhosa para o filme, pois instiga a imaginação do espectador para continuar a história do seu próprio jeito, decidir se Mabel conseguiu ter uma vida amorosa bem sucedida, ou se acabou triste em casa assistindo Retrato de Uma Jovem em Chamas (de novo). É um final com muita personalidade para um filme que também possui muita personalidade.


Por fim, Expresso São Valentim é um curta que se destaca pela criatividade, seja na história em si, como também em seu visual, tendo uma direção de arte, fotografia e iluminação magníficas. Além disso, as atuações são muito convincentes, ao ponto de, de vez em quando, parecer que estamos vivenciando uma história real. A edição, juntamente com a identidade visual e a trilha sonora, torna a experiência de assistir ao curta muito satisfatória e única, deixando explícito como tudo foi bem pensado e feito com muito carinho. Com uma abordagem leve, aconchegante e muito adorável, é um deleite acompanhar Mabel em sua jornada de descoberta pelo amor. 


É impossível esconder a animação com um projeto tão autêntico e bem trabalhado e, ao fim do filme, só é possível pensar numa coisa: Expresso São Valentim parece ser o tipo de curta que antecede um longa-metragem. Portanto, seria muito interessante ver a história de Mabel ser continuada nas telonas, com uma história maior, uma abordagem mais profunda, com um maior desenvolvimento das personagens (e, quem sabe, com uma conclusão para acalmar a ansiedade do espectador dessa vez), mantendo essa criatividade e identidade únicas, que conquista o espectador logo de cara e o faz se apaixonar à primeira vista, como se ele também tivesse comprado uma passagem de Mabel para o Expresso São Valentim.