Apocalypse now (1979)

Olavo Fernandes propõe uma análise sobre o clássico de Coppola intitulada "Como era gostoso o meu napalm", evidente paralelo com a obra de Nelson Pereira dos Santos.

Críticos:

Olavo Fernandes

Como Era Gostoso o Meu Napalm


“I love the smell of napalm in the morning” é uma das frases mais célebres da história do cinema e poderia servir de abertura ao filme, pois introduz a naturalização da desumanição que os soldados designados ao conflito no vietnã encaram. Napalm é uma das armas mais crueis que podem ser usadas, além do alto poder de combustão, o napalm se cola a pele de suas vítimas. Quando Bill Killgore (excelente composição de nome, aliás, juntado as palavras “kill” e “gore”) romantiza o odor de napalm, é estabelecida a carência de lucidez inerente ao horror da guerra, afinal uma arma altamente mortal aqui é glamurizada pelo coronel.


A introdução do filme já funciona muito bem para incorporar o psicologico abalado do protagonista. Além do voice off, o raccord do ventilador ligando-se com o som e imagem das helices de helicóptero já estabelece como a guerra está impregnada ao personagem e isso é reforçado pela narração do mesmo.


Assim como Killgore, a escolha do nome dos personagens tem muito peso dentro da trama. Kurtz, por exemplo, é tirado diretamente do romance de Joseph Conrad, Coração das Trevas (1899). Além de os dois personagens homônimos serem extremamente parecidos em termos de personalidade, ambos são lendas em deteriorização, Apocalypse Now é praticamente uma adaptação do livro sobre outro contexto, trocando o colonialismo pela guerra. Outra escolha de nome bastante significativa é a do Soldado Clean, que é a pessoa mais ingênua e inexperiente da tripulação de Willard, ou seja, ele era uma pessoa “limpa” antes de seu contato com a guerra.


O dialogo do filme com Coração das Trevas é bastante nítido, os protagonistas comandam uma tripulação naval e resgatam um antigo comandate. A constituição dos personagens é bastante parecida também, os dois Kurtz são lendas em desgaste imersos em uma escuridão. A escuridão tem valor simbólico diferente nas duas obras, no longa se enxerga isso com mais nitidez no ato final do filme. A própria paleta de cores se afeiçoa a deteriorização mental, afinal, o começo do filme é quente e colorido, enquanto o ultimo ato é sombrio e obscuro. Marlow, protagonista do romance de Conrad, inicia sua narrativa contando como conseguira o posto na companhia, o roteiro de Apocalypse Now faz o mesmo com Willard, nos primeiros minutos do filme conhecemos a situação da guerra através de suas memórias.


Para apresentar o caos da guerra, Coppola usa tomadas longas nas cenas de mais conflito, além de lentes grande-angulares para captar milhares de coisas que acontecem simuntaneamente sem perder o foco nos planos mais abertos. Essa escolha estética ganha muito impacto quando se vê mortes e multilações sem cortes nem artificios, tudo parece muito cru e verossímil. Apesar disso, em algumas sequências que o barco de Willard é atacado, a montagem frenética é utilizada, recurso também usado na famigerada cena da Marcha das Valquirias, conferindo tom épico a essa passagem do filme.


Mesmo somente com a luz natural em várias sequências, a fotografia não deixa de captar imagens belíssimas, usando das características individuais das locações, fumaças coloridas, composição arrojada de set e saturação de cores para elaborar a identidade visual do longa. A maneira como a luz e o enquadramento são manipuladas para filmar Kurtz gera um misticismo inerente ao personagem, Vittorio Storaro, diretor de fotografia do longa, constuiu uma atmosfera que engrandece a anarquia e obscuridade.


Apesar disso, o confronto entre Willard e Kurtz é piegamente executado, provavelmente porque os dois atores não contracenam, afinal Marlon Brando não esteve no set de filmagens ao mesmo tempo que Sheen. Assim, Coppola teve que encontrar uma maneira de gravar o encontro dos dois personagens, que até funciona quando a cena é alimentada somente por diálogos, usando muito do contraste através da carência de iluminação. Porém, quando os personagens entram em luta corporal, a cena que deveria ser o ápice do filme é confusa e desorientada. O diretor ainda tenta uma montagem paralela com a aldeia executando o ritual de sacrificio do boi, para assim elaborar um conceito quase einseinsteiniano e mascarar as dificuldades de produção dessa cena. As sobreposições usadas no final envelheceram muito mal, por isso, em seu desfecho, o filme se destaca mais no próprio roteiro. Desfecho ao qual também se assemelha bastante ao romance de Joseph Conrad.


A narração do protagonista, em alguns momentos através de voice over e outros em voice off, não é desnecessariamente expositiva e as informações que recebemos dele não são redundantes, pelo contrário. É através da narração que acompanhamos os conflitos ideologicos de Willard e testemunhamos sua dualidade ganhar força, o que acaba aproximando-o de Kurtz, tanto pela revolta, tanto pela devanescência de sua lucidez.


Assim como em Como Era Gostoso o Meu Francês (Nelson Pereira dos Santos, 1971), o longa aponta a violência como gatilho da corrupçã o moral e psicologica. Quando os indígenas começam a dominar os conhecimentos balísticos depois do contato com o europeu, é perceptível como seu comportamento se torna mais agressivo e dominador. Em Apocalypse Now, o contato com a guerra corrompe o estado mental dos agentes que participam dela, alguns chegando ao ponto da loucura, como Kurtz, outros chegando no ponto de fetichizá-la, como Killgore. O próprio personagem do Kurtz só aparece no final, porém ele está onipresente durante toda a extensão do filme, afinal, ele representa alegoricamente o caos do conflito e a anarquia psicologica que surge como resultado do mesmo. Por isso, ele está sempre presente na narração de Willard, que cada vez mais se espelha no personagem de Marlom Brando.